Dr. Olavo, o engenheiro

A maioria das notícias sobre o falecimento do engenheiro Olavo Setubal chamou-o de banqueiro. Esta foi uma entre outras ocupações que exerceu, pois também atuou como empresário em outras áreas, político, prefeito e ministro de governo. Quero destacar sua profissão, de engenheiro, em que assentou sua carreira tão eclética e de tantas realizações.

A formação em Engenharia é negligenciada no sistema educacional brasileiro, tanto do lado da oferta de cursos como na sua demanda pelos estudantes. Nesse quadro, o dr. Olavo, como era conhecido por muitos, ficará como exemplo da conveniência de oferecer mais cursos de Engenharia e de estimular sua demanda pelos jovens.

Formou-se em 1945, pela Escola Politécnica da USP, quando a Engenharia era ainda menos buscada pelos poucos que chegavam ao curso superior. Seu primeiro trabalho foi no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), até hoje tipicamente um empregador de engenheiros. Depois montou a Deca, de fundição de fechaduras e metais sanitários, o que envolvia engenharia, já então no ambiente empresarial.

Nisso ficou quase 15 anos, quando aceitou convite de Alfredo Egydio de Souza Aranha, seu tio, para dirigir um pequeno banco, raiz do Itaú de hoje. A edição corrente da revista Veja narra esse episódio, mas diz que o dr. Olavo “inovou ao contratar engenheiros para o mercado financeiro”. Se houve um pioneiro nessa história, então foi esse seu tio que o levou para um banco. E o “se houve” se explica porque na formação em Engenharia há traços muito adequados ao exercício de ocupações não só no setor financeiro como em muitas outras fora das usualmente tidas como típicas da profissão.

Vale lembrar que o Banco Itaú integra um grupo de empresas em que, além da holding financeira, se destacam a Duratex, que incorporou a Deca, a Itautec, no setor de informática, e a Elekeiroz, uma indústria química, todas envolvendo grande conteúdo de engenharia. A própria atividade financeira hoje se assenta em tecnologias de informação e comunicação, em que esse conteúdo é também muito importante.

Assim, são onipresentes os ambientes em que a engenharia se aplica, mas essa não é a única nem a preponderante razão pela qual os engenheiros se saem bem nessa e em várias outras áreas. Em particular, as voltadas para os vários aspectos da gestão de organizações, empresariais ou não, como finanças, administração geral e outros. Sua formação nas melhores escolas exige tempo integral, disciplina, concentração, grande utilização do raciocínio lógico-matemático – que vejo como uma malhação cerebral – e é voltada para resolver problemas concretos. Há quem diga que os físicos conversam com Deus e deixam por conta dos engenheiros resolver os problemas aqui, na Terra.

O certo é que por sua formação os engenheiros, quando comparados com outros profissionais, se distinguem muito pelo domínio que têm do aprender a aprender, o qual é a essência de uma educação com resultados aferidos não apenas por provas e exames, mas que permite ao ser humano seu aperfeiçoamento e também contribui para o da sociedade como um todo.

Quando exponho essas idéias a jovens em fase de escolha de carreira, muitos me perguntam “se o negócio, então, é todo mundo fazer Engenharia”. Não se pode concluir isso. Nas demais profissões, a lição está em aprender com os engenheiros como ter uma formação de “especialista eclético”, essa capacidade de dominar coisas novas, por interesse ou por necessidade, como bem fazia o dr. Olavo.

De qualquer forma, estudar Engenharia é também um bom negócio, ainda que não o único. Como aqui o bom exemplo educacional não vem de cima, vou recorrer ao que me foi contado por um amigo, que certa vez esteve em Cingapura, um pequeno país de grande espírito empreendedor e forte desempenho econômico. Então ouviu do presidente daquele país que a formação que mais convinha aos jovens era uma graduação em Engenharia e uma pós em Administração.

Neste jornal, na quinta-feira passada, a jornalista Nair Suzuki fez um necrológio do dr. Olavo e contou que quando ele tinha 14 anos, e já pensava em ser engenheiro, seu pai lhe disse: “Meu filho, engenharia é uma carreira de segunda, o Brasil é uma terra de advogados, você deve ser advogado, porque a eles compete a direção deste País.”

Hoje o Brasil cresceu e é muito mais complexo. Os bacharéis em Direito continuam existindo em grande número, até exagerado, com o que surgiu um funil para o exercício da profissão, o exame da OAB. Os que a exercem permanecem muito influentes, ainda que não tanto como no passado. Pensando na “direção deste país”, a seqüência dos últimos quatro presidentes, inclusive o atual, mostra um economista, um engenheiro, um sociólogo e um metalúrgico.

Tampouco se fala mais do engenheiro como uma “carreira de segunda”, mas os que formamos são poucos. Uma boa escola de Engenharia custa caro, o ensino público que sustenta a maioria delas vem perdendo espaço e o ensino particular não se empenha em criar novas. Os estudantes, por sua vez, continuam presos à influência do passado, ainda buscando exageradamente faculdades como as de Direito, ou cursos em moda, como o de Comunicações, em decisões nas quais é alta a probabilidade de um mau negócio.

Assim, é preciso ter mais escolas de Engenharia e estimular vocações voltadas para essa área, para o que servem de bons exemplos as carreiras de vários expoentes da engenharia nacional, inclusive os que se destacaram também em outras áreas, como o dr. Olavo.

Aliás, espero que surja uma nova escola, com seu nome. Não vale renomear uma já existente, pois isso não seria condizente com a personalidade desse criativo empreendedor.

*Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Autor: *Roberto Macedo – O Estado de S.Paulo