O Regime diferenciado de contratação (RDC) e as obras do PAC

O advento da Lei que instituiu o Regime Diferenciado de Contratação- RDC ( Lei 12462/2011)objetivou originalmente a mudança do regime licitatório tradicional, consubstanciado na Lei 8666/1993, em face daquele documento legal estar defasado, razão pela qual incapaz de atender com a celeridade necessária a contratação das obras e serviços, por parte da administração pública, relacionadas aos grandes eventos esportivos incluindo as obras de infraestrutura dos aeroportos situados até 350 km de distância das capitais onde se realizarão estes eventos, aliás já iniciados com a Copa das Confederações e que prosseguirão com a realização da Campeonato Mundial de Futebol da FIFA em 1994 e as Olimpíadas e Paraolimpíadas no Rio de Janeiro em 1996. Contudo, este objeto considerado inicialmente transitório passou a ser acrescido com a inclusão, neste ano, de mais dois outros objetos não transitórios cujas licitações e contratos podem ser submetidas ao regime RDC, quais sejam as obras e serviços de engenharia necessários às ações do PAC, além daqueles incursos no âmbito do sistema público de ensino. É importante salientar que a opção pelo órgão público pela adoção do RDC na licitação afasta o regramento imposto pela Lei 8666/93, exceto aquelas situações em que a própria Lei 12462/2011 diz que se aplicam os dispositivos constantes nos artigos 24 e 25 da Lei 8666 como é o caso da ocorrência da contratação direta (ilegibilidade e dispensa de licitação) .

 Entretanto, em relação aos contratos administrativos as regras da Lei de Licitações são totalmente aplicadas exceto as previstas na Lei 12462. Outra inovação acrescentada pelo RDC é o regime de Contratação Integrada por técnica e preço para obras complexas que prevê que o próprio licitante caso vença a licitação se responsabilize inclusive pela execução do Projeto Básico, diferentemente ao disposto na Lei 8666 na qual o Projeto Básico é um instrumento obrigatório prévio que deve anteceder qualquer obra ou serviço de engenharia. Nas outras modalidades de contratação de obras e serviços previstas nesta Lei deverá haver o Projeto Básico aprovado pela autoridade competente, disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório. Aliás, esta exigência é similar ao disposto na Lei 8666 na qual o Projeto Básico é um instrumento obrigatório prévio que deve anteceder qualquer obra ou serviço de engenharia. 

Contudo, reside justamente no Projeto Básico, similarmente como ocorria e ainda ocorre na 8666, a maior dificuldade na interpretação correta deste dispositivo nos processos licitatórios , pois o Projeto Básico não é caracterizado adequadamente dando margem a inúmeras interpretações quanto ao seu escopo real. Vejamos: o inciso IV do parágrafo IV da Lei que instituiu o RDC define o Projeto Básico como ”o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para, observado o disposto no parágrafo único deste artigo:

 a) caracterizar a obra ou serviço de engenharia, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares; 

b) assegurar a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento; e 

c) possibilitar a avaliação do custo da obra ou serviço e a definição dos métodos e do prazo de execução;” 

Ainda no Parágrafo Único deste Artigo especifica-se que o ”Projeto Básico referido no inciso IV do caput deste artigo deverá conter, no mínimo, sem frustrar o caráter competitivo do procedimento licitatório, os seguintes elementos: I – desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar seus elementos constitutivos com clareza; II – soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a restringir a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem a situações devidamente comprovadas em ato motivado da administração pública; III – identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento; IV – informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra; V – subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso, exceto, em relação à respectiva licitação, na hipótese de contratação integrada; VI – orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados”. Entretanto, ocorre que para propiciar a obtenção dos produtos descritos neste “parágrafo único”, notadamente no item VI (“avaliação do custo da obra ou serviço e a definição dos métodos e do prazo de execução”) com o grau de precisão necessário para, por exemplo, precificar corretamente a obra ou serviço almejados é necessário não apenas a elaboração de um simples Projeto Básico, mas sim a preparação de um documento técnico muito mais amplo em nível próximo ao requerido para um projeto executivo de forma a abranger elementos de projeto que transcendem o próprio Projeto Básico como o projeto de fundações.

 Há portanto uma flagrante inconsistência entre aquilo que é pretendido pelo legislador e os meios instrumentais para tanto elencados neste parágrafo. Por outro lado, no caso da contratação integrada o instrumento convocatório, de acordo com o inciso I do parágrafo 2º do Artigo 9, deverá conter o anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo: 

a) demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado; 

b) as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega, observado o disposto no caput e no § 1o do art. 6o desta Lei; 

c) a estética do projeto arquitetônico; e 

d) os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade;” 

Neste caso, também, é insuficiente apenas a existência de um anteprojeto no instrumento licitatório, tal como descrito naquele inciso, uma vez que há risco de perda do controle por parte da administração pública, visto que o executor se responsabiliza também pela execução do Projeto Básico, o qual deveria estar previamente caracterizado no próprio instrumento licitatória ao invés de apenas o anteprojeto.

 Um segundo problema que se afigura na Lei que instituiu o RDC é da apresentação dos documentos de habilitação (leia-se regularidades fiscal, previdenciária e trabalhista) apenas pelo licitante vencedor do certame, exceto no caso de inversão de fases. Esta determinação segue a mesma lógica da Lei do Pregão e é diametralmente oposta aquilo que está sabiamente sacramentada na Lei 8666 que prevê a recepção das propostas apenas dos licitantes previamente habilitados na fase inicial do certame.

 Esta forma de licitação é perversa pois as empresas sem habilitação ao participarem das licitações, e não tendo nada a perder, tal como verdadeiros vândalos, deliberadamente adotam a prática predatória de preços com a consequente destruição de valor, prejudicando propositadamente as empresas realmente habilitadas, legal e tecnicamente, partícipes dos certames. Isto aparentemente parece convir a certos setores da administração pública na “ busca da maior vantagem” que, iludidos, imaginam estar fazendo economia as custas das empresas sérias e parceiras que acabarão por se inviabilizarem prejudicando todo o processo licitatório e também a engenharia brasileira em particular. 

Há, pois, urgência em se reformar a Lei do RDC (e, por extensão também a Lei 10 520 que instituiu a contratação de serviços de engenharia sob a forma de Pregão) ,através de uma regulamentação em que o escopo dos projetos de engenharia fiquem claros e plenamente definidos. Quanto à inversão de fases prevista nesta Lei, este regime deve prevalecer para que apenas participem das licitações as empresas previamente habilitadas.