Por Dra. Simone Cotrufo França*
Quando o assunto é biocombustível, o Brasil ocupa uma posição única no mundo. Temos escala, tecnologia, expertise e — talvez o mais importante — uma matriz energética renovável que muitos países invejam.
E no centro dessa história está ele: o etanol.
Hoje, no Brasil, existem duas principais rotas de produção desse biocombustível:
1.) A tradicional, que vem da cana-de-açúcar.
2.) E a mais recente, que vem ganhando força: o etanol de milho.
Mas junto com o avanço dessas rotas, cresce também um debate que merece ser olhado com cuidado — especialmente por setores como o automotivo, cada vez mais pressionado por compromissos ESG (Environmental, Social and Governance) e descarbonização:
- Será que o etanol compete com a produção de alimentos?
- Estamos ocupando bem o solo brasileiro?
- Existe risco para a segurança alimentar?
A resposta não é simples. Mas ela existe. Vamos por partes:
Etanol de Cana-de-Açúcar: produtividade alta, impacto controlado
O Brasil domina como poucos a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar. Não por acaso. Esse modelo é um dos mais eficientes do mundo, tanto em geração de energia por hectare quanto em balanço de carbono.
E tem mais um detalhe que pouca gente percebe: o aproveitamento do bagaço da cana permite que as usinas gerem energia elétrica, “bioeletricidade” — muitas vezes suficiente para o próprio processo industrial e ainda com sobra para comercialização.
Mas e o uso do solo?
Hoje, a cana ocupa cerca de 10 milhões de hectares no Brasil. Isso representa menos de 1,5% do território nacional. E esse número precisa ser lido com contexto: a maior parte dessa área está longe de zonas de produção de alimentos e, em muitos casos, substituiu pastagens degradadas, aumentando a produtividade da terra sem pressionar áreas nativas.
Ou seja: cana no Brasil dificilmente significa competição direta com comida.
Etanol de Milho: um modelo inteligente e adaptado à nossa realidade
O etanol de milho cresceu muito nos últimos anos, especialmente no Centro-Oeste. Mas por que ele faz sentido por aqui?
Simples: porque boa parte do milho usado vem da chamada “safrinha” — o milho cultivado depois da soja, em terras que já estavam sendo utilizadas.
Na prática, não estamos falando de abertura de novas áreas ou de competição direta com o milho para alimentação humana. Pelo contrário, o Brasil costuma ter excedentes de produção nesse período.
E tem mais um fator técnico importante: o processo industrial do etanol de milho gera o DDGS (Dried Distillers Grains with Solubles) — um subproduto rico em proteína e energia, que volta para a cadeia da pecuária como ração animal. Ou seja, energia renovável e alimento andam juntos nesse modelo.
Então… Biocombustível compete ou não compete com alimento?
No Brasil, com as características que temos hoje, a resposta mais honesta é: não de forma relevante. A lógica aqui é diferente de outros países, como os EUA, onde grande parte do milho vai direto para a produção de etanol.
Claro que todo modelo produtivo precisa ser continuamente monitorado e melhorado. Mas o etanol brasileiro, tanto de cana quanto de milho, se desenvolveu de maneira estratégica, aproveitando ao máximo recursos já existentes e minimizando conflitos com a produção de alimentos.
Mais que isso: é um exemplo real de como é possível produzir energia renovável, gerar valor econômico, manter segurança alimentar e ainda contribuir para a descarbonização dos transportes.
Ou seja, quando a gente olha para o etanol brasileiro — seja de cana, seja de milho — estamos falando de uma solução energética que, além de renovável, é integrada, eficiente e adaptada à nossa realidade agrícola.
Menos competição com alimentos. Mais inteligência no uso do solo.
*Simone Cotrufo França – Consultora na Carcon Automotive e Coordenadora da Divisão Técnica de Tecnologias Renováveis






