Por Tito Lívio Ferreira Gomide, Stella Marys Della Flora e Silvia Matsu Eguti – Reflexos do planejamento na manutenção em edificações

Manutenção é o “conjunto de atividades a serem realizadas para conservar ou recuperar a capacidade funcional da edificação e de seus sistemas constituintes, a fim de atender às necessidades e segurança dos seus usuários”, consoante preconiza a ABNT NBR 15575.

Também se pode entender a Manutenção em Edificações como “a combinação de todas as ações técnicas e administrativas de modo a que o edifício e seus elementos desempenhem, durante a vida útil, as funções paras as quais foram concebidos”, consoante consta no livro “Manual de Manutenção em Edificações”4.

Tais definições destacam o caráter técnico da atividade para o bom desempenho funcional e o caráter humano para atender as necessidades dos usuários. Assim sendo, a ausência ou falhas da manutenção nas edificações podem prejudicar o bom funcionamento ou até mesmo impedir a utilização da edificação, nos casos mais graves, afetando diretamente os usuários, trazendo graves prejuízos. Porém, a cultura da manutenção é incipiente no Brasil, sendo raros os prédios que recebem os serviços adequados dessa atividade.

Tipologias e Procedimentos

A manutenção se desenvolve basicamente através de dois tipos de procedimentos: corretivos e preventivos.

A manutenção corretiva é aquela efetuada após a falha (não planejada) ou do desempenho inferior a uma condição mínima (planejada), enquanto a preventiva baseia-se em critérios pré-determinados para evitar a falha.

A manutenção preventiva pode ser preditiva quando se baseia na análise da evolução de um sintoma ou de uma degradação, cujo maior exemplo é a substituição de lâmpadas pouco antes do final da vida útil.

O planejamento dos serviços de manutenção requer a elaboração de uma previsão detalhada dos métodos de trabalho, ferramentas e equipamentos necessários, condições especiais de acesso, cronograma de realização e duração dos serviços de manutenção, consoante recomendações da norma de Manutenção de Edificações (ABNT NBR 5674).

O planejamento deve ser definido em planos de curto, médio e longo prazos, de maneira a:

  1. coordenar os serviços de manutenção para reduzir a necessidade de sucessivas intervenções;
  2. minimizar a interferência dos serviços de manutenção no uso da edificação e a interferência dos usuários sobre a execução dos serviços de manutenção;
  3. otimizar o aproveitamento de recursos humanos financeiros e

O tipo de planejamento, representado pela previsão detalhada dos métodos de trabalho a ser implantado na edificação, depende do objetivo pretendido, da verba disponível e de informações para ser corretamente elaborado. Assim, recomenda-se determinar as condições técnicas, operacionais e administrativas para elaboração do planejamento.

  • Condição técnica

< tipologia do imóvel, idade e padrão construtivo;

< áreas (construída, útil, privativa, comum etc.);

< utilização (habitada, desabitada, em uso ou desuso)

< funcionamento (horários, população fixa e temporária);

< especificação dos equipamentos;

< manifestações patológicas.

  • Condição operacional

< procedimentos de rotina e serviços;

< controles e registros.

  • Condição administrativa

< tipologia da manutenção (corretiva, preventiva, preditiva)

< nível de confiabilidade e de disponibilidade;

< equipe e treinamento;

< diagnóstico técnico atualizado;

< documentação disponível;

< análise de custos.

Definidos os objetivos e a verba disponível para a manutenção, pode-se implantar o tipo de planejamento mais adequado para a edificação, com base nas seguintes metodologias:

< conservador – parâmetro exclusivamente técnico: baseia-se na vida útil e no número de horas de funcionamento de cada sistema e equipamento;

< arrojado – baseia-se na combinação de parâmetros técnicos da edificação e econômicos da atividade empresarial. Exemplo típico são as eventuais prorrogações dos prazos de manutenção recomendados pelos fabricantes, pois o menor tempo dispendido na operação é compensado pelo ganho gerado pelo negócio nesse prazo, que transforma o “prejuízo” da redução de vida útil em maior ganho empresarial.

Falhas do Planejamento da Manutenção

As falhas da manutenção incidem nos aspectos técnicos, operacionais e administrativos, porém, a maior delas consiste na ausência ou impropriedade do plano de manutenção das edificações.

O plano de manutenção deve conter, no mínimo, o método de trabalho, a verba disponível e o objetivo pretendido, pois tais fatores são essenciais a qualquer atividade que se pretenda bem-sucedida. Tal qual o vôo de aeronave, o desconhecimento do modo de pilotar (método), do combustível disponível (verba disponível) e do destino (objetivo), em geral, resultam em catástrofe, o mesmo se diga com a manutenção sem plano.

O funcionamento da edificação sem plano de manutenção é precário e temerário. Precário, pois a disponibilidade de uso costuma ser comprometida pelas constantes paralisações de equipamentos (elevadores, bombas de piscina, interfones etc.), redução do desempenho condominial (falta de água e luz, por exemplo) e desconfortos (entupimentos, sujidades em paredes etc.). Temerário, pois a segurança sempre fica comprometida quando a manutenção falha, como por exemplo o mau funcionamento dos elevadores, o fornecimento de água contaminada, o vazamento de gás e outras mazelas.

Porém, apesar da importância da manutenção, lamentavelmente, grande parcela das edificações brasileiras não possui qualquer plano de manutenção, devido à falta dessa cultura condominial na administração. Muitos consideram como despesa qualquer atividade de manutenção, principalmente aquelas preventivas, desconhecendo que a ausência ou falha de manutenção redunda, invariavelmente, em desvalorização e redução da vida útil da edificação. De se registrar que a verba média necessária à manutenção gira em torno de 1% ao ano do custo total da edificação. Tal valor deveria ser acrescido ao montante da verba anual de despesas usuais do condomínio (pagamentos de impostos, de salários, de insumos de limpeza etc.), que também fica em torno de 1%, ou seja, a estimativa média do valor da taxa de condomínio no Brasil é a metade do que deveria ser, caso se incluísse a verba destinada à manutenção.

A principal falha de planejamento na manutenção em edificações, portanto, é a ausência de qualquer previsão orçamentária na taxa condominial, com graves conseqüências para a manutenção de longo prazo.

Assim sendo, não é de se estranhar a cobrança de taxas extras condominiais logo após o período de “prédio novo” do imóvel, em geral, por volta do quinto ano, para que se possa cobrir alguns “imprevistos”, que nada mais são do que previsíveis medidas da manutenção de longo prazo, tais como a repintura das fachadas, as substituições dos cabos dos elevadores e outras. Essa gritante falha de planejamento pela ausência de provisão da verba de manutenção de longo prazo é praticamente generalizada nos prédios novos brasileiros, sem embargo de tantas outras falhas de natureza técnica, operacional e administrativa, devido ao improviso que campeia na operação e uso condominial.

Responsabilidades

A responsabilidade por essa grave falha de planejamento na manutenção em edificações de longo prazo, desde o início da implantação do condomínio, deve ser compartilhada, principalmente, entre o construtor e o administrador condominial, pois ambos são responsáveis pela falta de orientação e informação ao condomínio quanto à necessidade do bom planejamento da manutenção, principalmente para as ações de manutenção de longo prazo.

O construtor tem por obrigação fornecer informações suficientes e adequadas ao uso (Art. 12 do Código do Consumidor) e elaborar o manual de uso, operação e manutenção em atendimento a ABNT NBR 14037. Esse manual deve conter orientações técnicas detalhadas para a elaboração do plano de manutenção, inclusive com a indicação das principais atividades para os primeiros cinco anos do “prédio novo”, incluindo atividades de longo prazo. É recomendável a inclusão de previsão orçamentária para a manutenção de longo prazo, visando a arrecadação paulatina das verbas mais significativas dos eventos de maiores gastos, tais como as substituições de impermeabilizações, pisos e equipamentos (bombas, quadros elétricos, entre outros).

Quanto à responsabilidade da administradora condominial, recomenda-se o mesmo procedimento de também orçar esses serviços de manutenção de longo prazo e fazer a programação de arrecadação ao longo do período, para evitar cobranças inesperadas de taxas extra, em contrariedade ao Art. 14 do Código do Consumidor.

Essa desinformação do condomínio por falta de orientação do construtor e administrador, no entanto, não exclui sua responsabilidade pelo cuidado do prédio, recaindo sobre o síndico esse ônus, consoante estabelece o Art. 1348 item V do Código Civil Brasileiro.

Jeitinho Brasileiro

Evidentemente, ao se aproximar o quinto ano do “prédio novo” sem plano de manutenção, prenunciam-se problemas financeiros ao condomínio, pois quase sempre não dispõe das verbas “extraordinárias” necessárias para atender as previsíveis, mas “esquecidas” exigências da manutenção de longo prazo.

Porém, coincidentemente, ao final do quinto ano também vence o prazo legal de garantia construtiva, ocasião em que costumam ser apresentadas diversas reclamações à construtora, inclusive aquelas decorrentes de problemas de manutenção que são de responsabilidade do condomínio.

Assim sendo, muitas vezes, surge a proposta de ação judicial contra a construtora/incorporadora, devido à proximidade do final do prazo de garantia quanto às anomalias construtivas, situação que propicia também eventual inclusão dos problemas de manutenção no pedido. Tal procedimento é favorecido pela circunstância de haver muitas correlações entre problemas construtivos e de manutenção, que podem redundar na exclusiva responsabilização da construtora, resolvendo-se os dois problemas sem qualquer ônus para o condomínio. Essa situação é muito comum nas reclamações de problemas nas fachadas edilícias, pois as ocorrências das naturais fissuras de acomodação nos revestimentos são alegações para o pedido de tratamento e repintura dos painéis, como sendo responsabilidade total do construtor, na tentativa de obter a repintura de manutenção sem ônus ao condomínio.

Porém, apesar da dificuldade pericial de se separar os problemas construtivos daqueles de manutenção, imprescindível tal medida, para que tais ações judiciais façam Justiça, evitando onerar indevidamente os construtores nas responsabilidades da manutenção que cabem aos condomínios.

Nesse sentido, importante consignar que a tradição da prática pericial é vulnerável nesse particular pois, na grande maioria dos casos, os Peritos Judiciais não separam o “joio do trigo” e costumam atribuir todos os problemas construtivos e de manutenção ao construtor.

Cabe reportar-se, portanto, ao acórdão da apelação cível nº 000.494-4/8 do Tribunal de Justiça de São Paulo que decidiu sabiamente em Ação de Obrigação de Fazer, determinando que “não está obrigada a Construtora a efetuar reparos em obras não previstas no memorial de especificação, nem está obrigada a reparar aquilo que a tempo, de ordinário e normalmente desgastaria”, cabendo transcrever o seguinte trecho:

“Ǫuanto ao gradil frontal, (item e da sentença), também desprocede a pretensão reparatória, de vez que, neste ponto, parece-me correta a discordância do assistente-técnico da ré, de vez que preponderância de dois fatores outros que falhas construtivas subsistem desgaste natural de material normalmente exposto às intempéries, corrosão maior verificável “junto ao piso das pedras, e que estas são lavadas com ácido e com máquinas de alta pressão, danificando os caixilhos”.

É a mesma situação do madeiramento do deck das piscinas. Pode ser que a qualidade do material utilizado pela ré não fosse dos melhores, mas é absolutamente preponderante, o normal desgaste temporal (entre a feitura dos laudos e a entrega da obra passou mais de cinco anos, além do que parece clara a mínima manutenção do Condomínio- autor -grifa-se). Além do que se cuidava de, se existente fato visível pelos que receberam a obra. Não se equipara, portanto, a falha estrutural.

Acolho, no mais, o deferido decisóriamente, com duas ressalvas. As conclusões, a respeito, da maioria pericial prevalecem.

Assim, quanto à correção de fissuras na argamassa de revestimento, em se considerando que pelo tempo decorrido, normalmente o prédio teria que ser pintado, parece óbvio (sob pena de enriquecimento sem causa) que a pintura externa deverá ser efetuada pelo Condomínio, enquanto caberá à construtora a abertura de sulcos nas fissuras e enchimento com massa plástica (grifa-se).”

Há, portanto, Tribunais que não se deixam levar por solicitações indevidas e/ou perícias tendenciosas, evidenciando conhecimento técnico e elevado espírito de justiça.

Considerações Finais

Claro está, portanto, que o planejamento da manutenção é fundamental para manter a edificação em boas condições técnicas, de uso, operação, manutenção e administração, sem embargo de também favorecer a preservação da garantia imobiliária e evitar desgastantes e onerosos conflitos judiciais entre condomínios e construtoras.

São Paulo, agosto de 2025.

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Tito Lívio Ferreira Gomide

Engenheiro civil e bacharel em Direito. Atua na atividade pericial desde 1978. É autor e coautor de livros técnicos de engenharia diagnóstica e grafoscopia. Foi perito do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de São Paulo e presidente do IBAPE-SP, além de coordenador da Divisão de Patologia das Construções do Instituto de Engenharia. É sócio diretor do Gabinete de Perícias Gomide.

Stella Marys Della Flora

Engenheira, pós-graduada e mestre em Engenharia Civil. Especialista em Engenharia Diagnóstica e coautora de livros técnicos. Atua como perita judicial e assistente técnica em processos no judiciário. Coordenadora da Divisão Técnica de Engenharia Diagnóstica do Instituto de Engenharia, associada ao Ibape/RS e sócia do Gabinete de Perícias Gomide.

Silvia Matsu Eguti

Engenheira civil e química. Especialista em Engenharia Diagnóstica, em Documentoscopia e Grafoscopia, e em perícias em áudio, imagens, assinaturas eletrônicas e documentos digitais. É membro da APEJESP e sócia do Gabinete de Perícias Gomide.

Peritos do Gabinete de Perícias Gomide

4 Livro Manual de Manutenção em Edificações. 19 ed. Editora Leud, 2022, p. 26.