Processos Químicos como Aliados da Descarbonização

Por Dra. Maristhela Marin* 

1. Como os processos químicos podem ser pensados de forma mais renovável e contribuir para um futuro com menos emissões de carbono?

A engenharia de processos é uma das ferramentas mais estratégicas quando falamos em descarbonização. Processos químicos bem planejados não apenas transformam matérias-primas em produtos, mas podem — e devem — ser projetados com foco em eficiência energética, uso racional de recursos e baixa emissão de carbono.
Um exemplo brasileiro é a fábrica da Unilever em Vinhedo (SP), que substituiu o gás natural por biometano em suas caldeiras, com redução estimada de até 3 mil toneladas de CO₂ por ano¹. Essa troca exigiu adequações nos sistemas térmicos e ajustes operacionais, mostrando que mudanças energéticas afetam diretamente o processo químico e exigem revisões técnicas completas.

Outro exemplo é o da LEAF, que desenvolveu um poliol 100% vegetal derivado de mamona e algodão. O insumo é usado na fabricação de espumas de poliuretano, e seu uso permite uma redução de até 730 kg de CO₂ por tonelada produzida². Para viabilizar tecnicamente essa substituição, a empresa precisou ajustar parâmetros como reatividade, viscosidade e compatibilidade com catalisadores — um desafio típico da engenharia de processos aplicada à sustentabilidade.

2. Na prática, o que mais tem evoluído quando falamos em tornar os processos produtivos mais sustentáveis na área dos biocombustíveis e tecnologias químicas?

A evolução mais significativa está na valorização de resíduos e subprodutos como matérias-primas renováveis. Um bom exemplo é o etanol de segunda geração (E2G), produzido a partir de bagaço e palha da cana-de-açúcar. A Raízen, por exemplo, inaugurou em maio de 2024, em Guariba (SP), a maior planta de etanol 2G do mundo, com capacidade de 82 milhões de litros/ano³. Somada à planta de Piracicaba, a capacidade total chega a 112 milhões de litros/ano.

Do ponto de vista técnico, o E2G exige etapas adicionais em relação ao etanol tradicional: pré-tratamento da biomassa, hidrólise enzimática e fermentação de açúcares não convencionais. Cada etapa requer controle rigoroso de variáveis como pH, tempo de residência, temperatura e eficiência enzimática. O resultado é uma produção com pegada de carbono 80% inferior à da gasolina e 30% inferior ao etanol convencional³.
Esse avanço só é possível com a atuação integrada entre engenharia química, biotecnologia e automação de processos.

3. Como a química pode ajudar a transformar resíduos em soluções e contribuir de forma concreta para essa virada sustentável?

A química de processos tem papel essencial na economia circular e na conversão de resíduos em produtos úteis. Um caso emblemático é o Projeto Acácia, da Innova, em Triunfo (RS). A planta substituiu óleo combustível por biomassa de resíduos florestais, como cavacos e casca de arroz, para geração de vapor⁴. Isso exigiu reconfiguração das caldeiras, controle de emissões particuladas e otimização do sistema de alimentação térmica — um exemplo claro de engenharia aplicada à descarbonização industrial.
Outro exemplo é o projeto CO₂CHEM, liderado pela Repsol Sinopec em parceria com o Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos e a USP.

O objetivo é capturar CO₂ industrial e combiná-lo com hidrogênio verde para gerar produtos como combustíveis sintéticos, lubrificantes e parafinas⁵. Essa rota envolve processos como reação de Fischer-Tropsch, separação de gases e purificação — tudo sob rigoroso controle reacional.
Esses casos ilustram como resíduos, tanto sólidos quanto gasosos, podem ser convertidos em insumos de alto valor tecnológico, com apoio direto da engenharia de processos e da inovação química.

Referências
1. Lider.inc (2024). Unilever substitui gás natural por biometano em Vinhedo (SP). https://lider.inc/noticias/infraestrutura-energia/unilever-adota-biometano-para-descarbonizar-a-operacao
2. Exame (2024). LEAF aposta na descarbonização da indústria química com poliol vegetal.
https://exame.com/esg/como-a-leaf-aposta-na-descarbonizacao-da-industria-quimica-com-uma-inovacao-verde
3. Raízen (2024). Inauguração da maior planta de etanol 2G do mundo em Guariba (SP).
https://www.raizen.com.br/sala-de-imprensa/raizen-inaugura-maior-planta-de-etanol-de-segunda-geracao-do-mundo
4. Innova: Referência em Sustentabilidade na COP-26 da ONU https://www.innova.com.br/sustentabilidade/
5. Projeto pioneiro de produção de combustível renovável a partir do CO₂.
https://repsolsinopec.com.br/noticias/repsol-sinopec-brasil-lanca-projeto-pioneiro-no-brasil-de-producao-de-combustivel-renovavel-a-partir-do-co2

 

*Dra. Maristhela Marin é engenheira química formada pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), mestre pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/USP) e doutora em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atua com foco em engenharia de processos, biocombustíveis, análise de riscos químicos, avaliação de impactos ambientais e tecnologias limpas para a transição energética e é vice coordenadora da Divisão Técnica de Tecnologias Renováveis do Instituto de Engenharia