Trecho da sequência de nucleotídeos sendo suprimido do DNA do virus por ação da enzima CAS 9.
A tecnologia CRISPR (Clusteredy Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats ou, em tradução livre, Repetições Palindromicas Curtas Agrupadas e Regularmente Inter- espaçadas pode ser aplicada no aprimoramento do tratamento biológico de esgotos e efluentes industriais, bem como na bioremediação através do aumento da capacidade dos microrganismos e microalgas em bio degradar a matéria orgânica. de poluentes específicos como hidrocarbonetos e resíduos plásticos.
Isto pode ser conseguido por meio da modificação de cepas microbianas através de edição genética de forma que estes indivíduos produzam enzimas capazes de degradar a matéria orgânica recalcitrante.
Como este sistema poderá ser replicado artificialmente?
Como é sabido, todo ser vivo tem seu genoma DNA- Àcido Desoxiribonucleico) dupla hélice formada por duas fitas complementares de estrurutura de dupla hélice.
O DNA (ácido desoxirribonucleico) é uma estrutura de dupla hélice, formada por duas fitas complementares de uma sequência de bases nitrogenadas ligadas entre si. As duas fitas são unidas por ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas, parte dos nucleotídeos. São em número de4, denominados Adenosina (A) Timina, (T),,Guanina (G) e Citosina (C). No caso do RNA, reina a mesma estrutura, mas com cadeia simples onde a Timina é substituída pela Uracila (U). Os nucleotídeos se unem no DNA ou RNA, no pareamento A com T(ou U) e G com C
Em 2007 foi descoberto que o DNA ou RNA viral (bacteriófagos) que infectam bactérias é reconhecido e integrado no genoma bacteriano contido no interior da célula. Quando um bacteriófago deposita seu material genético no interior da célula bacteriana, pode, algumas vezes, haver a incorporação deste genoma em uma região específica da bactéria chamada CRISPR, um dos mecanismos de defesa da bactéria que funciona como um sistema imunológico adaptativo. O fragmento ficará lá, em estado dormente, como uma espécie de memória, até que a bactéria seja novamente infectada por aquele tipo de vírus.
Quando isto acontece, o sistema CRISPR da bactéria é ativado, O material genético contido no fragmento de DNA do vírus será ativado e usado como template para a transcrição de uma molécula de RNA (cr RNA). Utilizando este RNA, e mais o trac RNA (trans activating RNA) transcrito de outro fragmento de DNA, o complexo formado, denominado RNA guia, se associará a uma enzima chamado CAS 9 (nuclease), espécie de uma “tesoura molecular” que irá “cortar” o material genético de um outro vírus invasor no local de clivagem indicado pelo RNA guia, desativando-o.
A sequência de nucleotídeos do RNA guia é projetada para ser perfeitamente complementar a uma sequência específica na molécula de DNA do vírus invasor. É importante notar que as sequências palindrômicas, que dão nome à tecnologia, são encontradas no DNA da bactéria (na região CRISPR), e não no DNA do vírus ou no RNA guia. A função do RNA guia não é ser palindrômico, mas sim servir como um “molde” para encontrar o alvo exato.
O pareamento correto ativa a enzima Cas9 para cortar o DNA viral. Exemplo de complementaridade: Vamos supor que um fragmento do DNA do vírus tenha a seguinte sequência:
- Sequência do DNA do Vírus (Alvo): 5′- A A G T T G A -3′ O RNA guia correspondente terá a sequência complementar, seguindo as regras de pareamento (A com U, T com A, C com G, G com C):
- Sequência do RNA Guia (Complementar): 3′- U U C A A C U -5′ Este pareamento preciso entre o RNA guia e o DNA do vírus sinaliza o local exato para a enzima Cas9 realizar o corte, desativando o material genético do invasor.
A sequência 3′ 5′ indica a direção de uma fita de ácido nucleico (DNA ou RNA). O “3′” e o “5′” referem-se aos carbonos da estrutura do açúcar (desoxirribose) no DNA e (ribose) no RNA que compõem o esqueleto do ácido nucleico.
Em 2012, as pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, inspiradas no sistema imunológico adaptativo das bactérias, desenvolveram uma técnica para se usar o CRISPR em biologia molecular criando um processo de edição do material genético em todos os organismos que tenham material genético. A técnica capaz de manipular editar genomas é chamada de CRISPR. Por esta descoberta, em 2020 elas ganharam o Nobel.
A técnica da edição genética, praticada em laboratório, é inserir esta construção molecular dentro da célula que contém o material que se quer editar através de partículas de lipídeos ou vírus com design específico só para se ligar a célula.
Com isso, pode-se conseguir bactérias ou microalgas adaptadas a bio degradar poluentes que não são atualmente bio degradáveis
(Este texto contou com a colaboração da bióloga Ana Luiza Fávero).
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José Eduardo Cavalcanti é engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia. E-mail: [email protected]
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
Este artigo é de exclusiva responsabilidade do autor.
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Comentários
Prezado amigo Li o artigo e achei interessante. Contudo, para maior segurança consultei uma bióloga especialista, evidentemente mantendo a privacidade. Assim passo a você as alentadas considerações que creio em muito poderão contribuir Fraterno abraço
1. O texto explica essencialmente a técnica, mas não como seria usada para “engenheirar” microrganismos para o tratamento e descontaminação. Vale um comentário a respeito. A técnica também não é a única forma de fazer edição genética, mas foi importante a descoberta, porque é uma forma simples e mais barata de fazer isso. Dado o tema do título, bem como para qual revista o artigo será apresentado, recomendaria abordar avanços e desafios para o tratamento de efluentes e biorremediação. Alguns pontos:
a. A técnica foi uma descoberta realmente importante, pois representa uma ferramenta simples para edição genética. Tem artigos que escrevem sobre produzir GMOs capazes de degradar ou ter a atividade de degradação de contaminantes melhorada como um avanço para a remediação e tratamento de efluentes. Alguns desafios quanto à eficiência da edição parece que ainda existem, mas é uma técnica em desenvolvimento, com o tempo espera-se um bom aprimoramento;
b. Uma questão levantada por um artigo anterior, apesar das técnicas serem eficientes no laboratório, não necessariamente vão superar as atividades naturais no ambiente. O que já conhece-se de longa data da ecologia microbiana…a capacidade de degradar é apenas um fator. A interação com o meio e o microbioma local ainda pode ser um desafio. Não que não possam ser superados, mas é um campo em desenvolvimento. A solução ainda não está pronta.
3. Questões éticas – as mesmas que se levanta para GMOs, pela falta de conhecimento sobre impactos de longo prazo.
4. Legislação – acho que ainda tem-se restrições para aplicação de GMOs, será importante comentar para o tratamento de efluentes. Imagina-se como um bioproduto registrado, por aí é capaz de não ter problema, deve-se considerar a questão.
Rosana Vazoler e Rosana Cristina Nakaiama, biologas.



José Eduardo Cavalcanti é engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia. E-mail: 


