Veja São Paulo – Enterramento de fios: entenda por que o problema nunca é resolvido

Fiação subterrânea poderia ter mitigado o problema das chuvas, mas promessas esbarram no custo astronômico

100 bilhões de reais? Custo astronômico (Gabinete Cris Monteiro/Divulgação) Leia mais em: https://vejasp.abril.com.br/cidades/enterramento-fios-sao-paulo-ricardo-nunes-imposto

Leia a matéria com entrevista concedida por Paulo Barreto, coordenador da Divisão de Sistemas do Instituto de Engenharia 

Na noite de sexta-feira (3), ventos de mais de 100 quilômetros por hora varreram a região metropolitana de São Paulo, derrubaram 1 400 árvores, deixaram oito pessoas mortas e 2,1 milhões sem luz — ao menos 100 000 imóveis permaneciam desabastecidos quatro dias após o temporal. Outro efeito da tempestade: prefeitura, empresas e sociedade voltaram a debater o enterramento dos fios da capital, onde 94% da malha ainda utiliza os postes — mas, como acontece sempre que o assunto esquenta, chovem desculpas para adiar a mudança.

A primeira lei que tentou criar uma São Paulo com cabos subterrâneos foi sancionada pelo então prefeito José Serra (PSDB), em 2005. A norma previa que as empresas que usam os postes teriam de enterrar 250 quilômetros de fiação por ano, o que livraria a capital dos fios em 24 anos. A AES Eletropaulo, distribuidora de energia à época, barrou o plano na Justiça ao alegar que não cabia à prefeitura, mas a órgãos federais, formular diretrizes sobre o tema. A empresa ameaçava triplicar a conta de luz para pagar pelo eventual enterramento, que dizia custar perto de 100 bilhões de reais. Gestões posteriores, como as de Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB), criaram projetos para impulsionar o enterramento, mas esbarraram nas mesmas resistências e as obras sempre andaram devagar.

O programa em curso, batizado de SP sem Fios, é mais modesto. Acontece só em áreas onde já houve o enterramento da rede elétrica pela Enel, a atual concessionária, e busca que as outras empresas (como as de telecomunicações) enterrem os próprios cabos — mas a gestão municipal ressalva, em nota, que essas companhias “não são obrigadas a enterrá-los”. O projeto tem o objetivo total de eliminar 65,2 quilômetros de fiação até o fim de 2024 — de um total de 43 000 na cidade.

Após o temporal, Ricardo Nunes (MDB) sugeriu que uma mudança ampla poderia demandar a criação de um novo tributo. Nos últimos dois anos, prefeitura e Ministério Público elaboram um projeto para nortear o enterramento dos fios. A proposta em análise determina que um terço dos custos seria pago pelos contribuintes das áreas contempladas e o restante, pelos cofres públicos. O plano, por ora, aponta para um modelo em que associações de moradores manifestariam interesse na mudança. Participantes da iniciativa calculam que um apartamento de 80 metros quadrados pagaria entre 700 e 1 000 reais pelo enterramento. A ideia já teria interessados. “Queremos ser uma das primeiras regiões no projeto”, diz Celia Marcondes, da associação de moradores do Cerqueira César. “O projeto envolveria a requalificação das calçadas”, diz o promotor Silvio Marques. “A mudança teria de ser custeada pelo poder público. Na regra da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), qualquer obra da Enel deve ter o menor custo possível para não impactar a tarifa”, defende Marcio Jardim, da área de planejamento da Enel. “As redes subterrâneas são uma alternativa a ser estudada, mas é preciso garantir a correta alocação dos custos”, diz Sandoval Feitosa, diretor da Aneel.

No início de setembro, a vereadora Cris Monteiro (Novo) protocolou um projeto de lei que obrigaria a prefeitura a elaborar em 180 dias um plano de ordenamento do subsolo para viabilizar o enterramento. “O município precisa definir quem paga o quê”, ela afirma. O projeto está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça. Mesmo quando os moradores estão dispostos a ajudar, o ritmo é lento. “Na Vila Olímpia, começamos a planejar o enterramento dos fios em 2002 e o projeto ainda não está concluído”, diz Adalberto Bueno Netto, da Colmeia, entidade que investiu 30 milhões para alargar avenidas da região, permitindo a retirada dos postes. Na Rua Oscar Freire, a associação local eliminou os fios de um trecho de 750 metros da via graças a 8,5 milhões investidos por uma empresa de cartão de crédito, mas a obra, que iria durar seis meses, levou quase dois anos.

“O subterrâneo paulistano tem mapas imprecisos de dutos de água, esgoto e gás. A obra é quase artesanal”, afirma Luiz Henrique Barbosa, presidente da associação brasileira das empresas de telecomunicações (Telcomp). “O enterramento seria, sim, o ‘mundo ideal’. Ele reduziria muito as interrupções como a que aconteceu agora”, completa Paulo Barreto, do Instituto de Engenharia. “Mas tem um custo astronômico”, ele conclui.

Fonte – Veja São Paulo