Menos casas, mais prédios: quais áreas mais mudaram na cidade de SP nos últimos anos?

Novo estudo mostra que entorno das Estações Brooklin, Butantã e Sumaré teve maior média de apartamentos lançados após incentivos e novas regras do Plano Diretor

Entorno da Estação Brooklin é proporcionalmente o que mais teve apartamentos lançados com as regras do Plano Diretor atual Foto: Felipe Rau/Estadão

Quem não frequenta o Brooklin há alguns anos se surpreende ao visitar o bairro da zona sul de São Paulo. Onde antes estavam lojas variadas, revendas de carros, posto de gasolina e casas, várias casas, hoje despontam edifícios de apartamentos juntinhos à estação de metrô de mesmo nome, inaugurada em 2017.

O entorno da Estação Brooklin é o que mais teve a paisagem alterada pelas regras e incentivos do Plano Diretor paulistano, que está em fase de revisão. Novo estudo do laboratório Arq.Futuro, do Insper, aponta que é a área é o eixo de transporte com a maior proporção de apartamentos lançados por quilômetro quadrado (5,4 mil/km²), seguido de perto pelas proximidades das estações Butantã (4,8 mil) e Sumaré (4,6 mil), na zona oeste. O levantamento usou dados de alvará de execução.

Basta falar com um frequentador dessas redondezas para ouvir relatos sobre a sensação de estar em um canteiro de obras, o que também motiva queixas de partee dos vizinhos, por barulho, poeira e movimento de caminhões. Alguns citam a impressão de que alguns prédios surgem “quase do nada”.

O designer Ramon Gonçalves, de 25 anos, percebe que a velocidade de transformação do Butantã se acelerou desde 2020 e se surpreende por testemunhar tamanha mudança “em tempo real”. Ele se espantou ao voltar para casa após passar parte da pandemia no interior. “Percebi a verticalização de um jeito muito diferente.”

Parte das associações de bairro se manifesta contrariamente à profusão de edifícios. Já outra parcela da população vê a mudança como desejável. A transformação rápida divide especialistas.

A mudança resulta do cenário atrativo para o mercado imobiliário. São vários fatores, como a valorização de áreas com a chegada do metrô, o estoque de terrenos nas incorporadoras após se capitalizarem com a entrada na bolsa há mais de uma década e o aquecimento do setor (especialmente com a queda recorde de juros de 2018 a 2020). Também ajudam incentivos públicos e regras municipais atrativas, por meio do Plano Diretor, de 2014, e da Lei de Zoneamento, de 2016.

Eixos de transporte

Mapa mostra entorno de estações e corredores com proporcionalmente mais apartamentos lançados com regras do Plano Diretor

RECHO CIDADE JARDIM
Fonte
LABORATÓRIO ARQ.FUTURO/INSPER

Leis tornam mais vantajoso construir perto de metrô

As novas leis têm o objetivo de atrair investimento imobiliário para o chamado Eixo de Estruturação da Transformação Urbana, a fim de aumentar a oferta de moradia perto do transporte coletivo e reduzir longos deslocamentos. Esses eixos compreendem um raio de cerca de 400 metros da maioria das estações de metrô e trem e área linear de 150 metros de cada lado ao longo de corredores de ônibus.

Entre os incentivos, estão descontos no cálculo da área construída “computável” quando o empreendimento tem características estimuladas pelo poder público, como a “fachada ativa”, quando há comércio e serviços no térreo abertos ao público, por exemplo.

Também é incentivado o uso misto: residências, lojas e escritórios no mesmo empreendimento, para aproximar emprego e trabalho. Mas, como o Estadão mostrou, uma regra de 2016 permitiu que studios sejam considerados unidades não habitacionais, o que influenciou no boom de mais de 250 mil imóveis compactos, enquanto a mistura de apartamento e escritório ainda não vingou.

O estudo do Insper identificou que empreendimentos de mercado se concentram no “setor sudoeste”, que abrange áreas mais desenvolvidas da cidade, de maior oferta de emprego, moradia, serviço e comércio. Já os voltados à habitação de interesse social e mercado popular estão mais espalhados.

O levantamento foi desenvolvido pelos pesquisadores Adriano Borges CostaJoyce Reis Ferreira da Silva e Evandro Luis Alves. Além do Brooklin, Butantã, Sumaré, a maioria dos primeiros colocados no estudo ficam em trechos mais valorizados do Metrô, especialmente das Linhas 5-Lilás, 4-Amarela, 2-Verde e 1-Azul, como as Estações Oscar Freire, Ana Rosa, Vila Madalena e Liberdade. Diagnóstico da Prefeitura já havia apontado a dificuldade de ter os mesmos resultados em bairros mais distantes do centro.

O estudo do Insper não inclui estações da Linha 6-Laranja, ainda em obras. O Estadão mostrou que o entorno das futuras estações, como a Sesc-Pompeia, vive também um “boom”.

Nos eixos de transporte já em funcionamento, os prédios estão mais altos. A média de andares subiu de 11,1, em 2013, para 16,4, em 2021, segundo a pesquisa.

Um dos autores do estudo e professor do Insper, Adriano Borges Costa destaca que os dados mostram que o Plano Diretor tirou a verticalização do interior dos bairros. A conclusão é de que a legislação de fato atraiu o mercado imobiliário para o entorno dos eixos, que passaram a concentrar 54,1% dos lançamentos de 2019 a 2021, ante 16,7% entre 2013 e 2015, no caso dos empreendimentos voltados ao público em geral, o que não inclui habitação popular.

Entre os especialistas, há aqueles que identificam bons resultados, como na aproximação com os eixos de transporte e menor verticalização dos miolos de bairro. Outros criticam o impacto na vizinhança e falam que a oferta e o valor das unidades está superestimado.

Professor de Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie, Antonio Claudio Fonseca é pessimista. Ele avalia que os imóveis dos eixos entram, aos poucos, em crise pela alta oferta e preços – tendência que prevê se agravar em cerca de quatro anos. “Quem comprou financiado vai ficar com o mico: não vai conseguir alugar.”

Para o urbanista, a infraestrutura em partes dessas regiões também não comporta a verticalização. “É desproporcional à capacidade do território de receber essas populações. Na Vila Madalena (8ª eixo mais transformado), as ruas não foram feitas para ter essa verticalidade.”

E, apesar da proximidade com o metrô, nem todos os moradores recorrem ao transporte público. O publicitário Rennan Aurieni, de 33 anos, comprou um apartamento de dois quartos perto da futura Estação PUC-Cardoso de Almeida, mas, por trabalhar em endereço longe do metrô, os trilhos não serão a primeira opção.

“Seria mais pontual”, afirma ele, ao citar como exemplo idas aos jogos do São Paulo. Ele diz que considerou a proximidade com o metrô como um fator para a compra: daqui a uns anos, planeja se mudar para um lugar maior e manter o imóvel como um investimento.

Já a advogada do movimento Defenda São Paulo, Renata Esteves, diz que a verticalização traz impactos negativos, pois aumenta o custo do entorno (expulsando parte dos moradores e pequenos comércios) e piora a qualidade ambiental do entorno.

Por que mudança foi maior nas estações Brooklin, Butantã e Sumaré?

As mudanças no entorno da Linha Lilás já eram esperadas na época da inauguração, em 2017, por envolver bairros valorizados e com oferta de serviços, comércio e emprego. A proximidade de parte das estações às Avenidas Engenheiro Luiz Carlos Berrini e Chucri Zaidan se tornou um atrativo, assim como a Avenida Brigadeiro Faria Lima para o entorno da Estação Butantã.

Autor do estudo, Adriano Borges Costa destaca que a transformação ainda está em curso. Parte dos empreendimentos receberem aval nos últimos quatro anos e, portanto, foram recém-entregues ou estão em obras.

“O Butantã é uma nova centralidade que se fortalece. Tem crescido também em comércios e vitalidade urbana. O Brooklin vive processo de transformação brutal. Em Pinheiros, esse processo era mais pulverizado e houve a aproximação dos eixos, quando se intensifica muito”, diz.

O professor do Insper explica que a mudança também é expressiva por se tratarem de áreas que ainda eram predominantemente de imóveis de um ou dois andares. “E são áreas com fragmentação fundiária que não era tão grande, em que se consegue juntar alguns terrenos relativamente grandes e fazer um empreendimento.”

A proximidade do metrô é destacada nos anúncios das incorporadoras. No Brooklin, alguns prédios novos são divulgados como “a 30 passos” e “40 passos” da estação. Já um empreendimento do Butantã pôs um totem na frente do estande de vendas que alude aos utilizados pelo Metrô, na cor amarela e com o símbolo do vagão.

VP de novos negócios da incorporadora Mitre, Gabriela Canfora conta que a empresa se voltou, em grande parte, aos eixos do entorno do Brooklin, Butantã e Pinheiros, com oito empreendimentos, porque são áreas em que as “pessoas querem morar”, o “combo perfeito”, com tudo perto, como escritórios, comércio, serviço, educação.

“Especialmente Brooklin e Butantã eram regiões pouco verticalizadas, carentes de moradia (majoritariamente de casas). A oferta era baixa e a demanda, muito alta”, diz. Por isso, avalia que esse represamento levou ao perfil variado de compradores, de diferentes profissões, arranjos familiares e idades. Além disso, no Butantã, investidores se interessam ainda mais como ativo para locação a estudantes da USP.

Já o diretor de Incorporação da SetinEduardo Pompeo diz que as estações de metrô se tornam mais atrativas para as incorporadoras do que as de trem e os corredores de ônibus por envolver um modo de transporte mais eficiente e valorizado. “É um privilégio hoje você entrar no metrô e, em 15 minutos, estar no trabalho.”

Segundo estimativas da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), uma estação de metrô valoriza uma região de 20% a 30%. A consultoria mapeou que, só nos últimos dois anos, foram lançados 13 empreendimentos no eixo Brooklin, 8 no Sumaré e 13 no Butantã.

  • Brooklin: unidade de até um dormitório – R$ 319,7 mil / dois dormitórios – R$ 977,3 mil, segundo a Embraesp
  • Sumaré: unidade de até um dormitório – R$ 399,3 mil / dois dormitórios – R$ 1,3 milhão
  • Butantã: unidade de até um dormitório – R$ 347,9 mil / dois dormitórios – R$ 622,5 mil

A valorização no entorno das três estações ocorreu de forma distinta. No Butantã, o banco de dados da Embraesp identificou que os lançamentos começaram após 2018. A valorização dos apartamentos no entorno da estação, entre 2018 e 2023, foi de 17,7%.

Já o entorno da Estação Brooklin teve valorização mais significativa de 38,9% desde 2014, enquanto a média na cidade foi de 19,6%. Já o preço nas proximidades da Sumaré variou apenas 2,6%. ”Possivelmente por se tratar de região onde os preços praticados já eram bastante elevados e cujos impactos da presença da estação (inaugurada em 1998) já tinham sido absorvidos”, diz Reinaldo Fincatti, diretor da Embraesp.

Já um balanço da plataforma de aluguel e venda de imóveis Quinto Andar do ano passado aponta que dois dos bairros mais transformados estão entre os 10 aluguéis mais caros da cidade. Em Pinheiros, o m² está em uma média de R$ 62, o que significa R$ 1.830 de aluguel para studio de 30 m², por exemplo. No Brooklin, a média de R$ 50,1/m².