Por José Eduardo W. de A. Cavalcanti – Considerações sobre a gestão do saneamento no Brasil

Parte 1

O PLANASA

PRIMÓRDIOS

O PLANASA – Plano Nacional de Saneamento constituiu uma ruptura com os procedimentos em voga até então no setor de saneamento, caracterizado pela completa descentralização e ao sabor da vontade política dos governos estaduais e municipais. Predominavam projetos isolados, tarifas irreais e depreciadas pela inflação, falta de coordenação entre os diversos organismos atuantes além da escassez de recursos técnicos e financeiros.

Anteriormente à sua criação, o processo de organização dos serviços de saneamento Básico tinha por base o poder municipal por meio de autarquias ou através da administração direta. Papel preponderante foi desempenhado nesta época pela SESP– Serviço Especial de Saúde Pública no fortalecimento do poder municipal no campo do saneamento a partir de 1952 firmando convênios junto aos municípios para financiamento, construção e operação dos seus sistemas de água e esgotos, sendo que os recursos eram provenientes de fundos rotativos formados com dinheiro público que previam o retorno das aplicações.

Em 1960, o SESP se transformou na Fundação SESP adquirindo um maior “status” consolidando-se como um organismo prestador de serviços e captador formando novos fundos com recursos tributários da União e com empréstimos de agências internacionais como o BID, USAID e outros. (BIER, PAULANI, MESSEMBERG 1988).

Todavia, com as reformas econômicas ocorridas a partir de 1964, com a concentração dos recursos de impostos na esfera federal, com a ausência de uma racionalidade tarifária e com o consequente enfraquecimento da Fundação SESP, o novo modelo impossibilitou a maior parte dos municípios a investir em saneamento.

Em 1966, o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social estabeleceu metas para os sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Dentro desta nova filosofia criou-se o FISAME, posteriormente transferido para o BNH – Banco Nacional da Habitação criado em 1964.

 

O PLANASA

O PLANASA, iniciado em 1968, mas efetivamente desenvolvido a partir de 1971, tinha como objetivo elevar os índices de cobertura dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário das cidades de modo a reduzir o déficit existente no saneamento. Agregava o ambicioso objetivo de atender 80% da população urbana com serviços de água e 50% com serviços de esgoto até 1980.

Recorde-se que em 1970, somente 60 % dos municípios eram atendidos por abastecimento de água e parcos 22 % tinham coleta de esgotos. (TAVARES apud PARLATORE 2000), ocupando o penúltimo lugar na América Latina em termos de saneamento básico.

Os objetivos e as metas do PLANASA foram os seguintes:

  • Eliminação do déficit e manutenção permanente do equilíbrio atingido entre oferta e demanda de serviços no campo de saneamento básico;
  • Atendimento a todas as cidades incluindo as comunidades de pequeno porte;
  • Estabelecimento de planejamento, programação e controles sistematizados com vistas a permitir a cada Estado a solução de seus problemas segundo as metas fixadas;
  • Instituição com a política tarifária compatível com as possibilidades dos consumidores e com a demanda de recursos e de serviços de modo a obter equilíbrio permanente entre receitas e despesas (auto sustentação tarifária);
  • Redução de custos em função da economia de escala e de programação nacional;
  • Desenvolvimento de programas de pesquisas, treinamento e de assistência técnica.

Este Plano era estruturado no SFS – Sistema Financeiro do Saneamento, criado em 1968 com o intuito de apoiar programas e políticas de habitação e de saneamento básico, pelo BNH responsável pela normatização, aprovação dos financiamentos e fiscalização dos projetos e pelas CESBs– Companhias Estaduais de Saneamento Básico, responsáveis pela execução dos investimentos e prestação dos serviços.

Pode-se dizer que o PLANASA se materializou com a promulgação do Decreto-Lei Nº 949/1969 de 13 de outubro de 1969 que autorizou o BNH a aplicar nas operações de saneamento, além de seus próprios recursos também os do FGTS –  Fundo de Garantia por Tempo de Serviço instituído em 1966.

O BNH, através do FINANSA – Programa de Financiamento para o Saneamento, criado em 1967, e dos diversos sub programas a ele ligados e dos governos estaduais através do FAEs – Fundos de Financiamento Estaduais para Água e Esgotos, participariam em partes iguais do montante dos recursos emprestados pelo SFS às CESBs. Desta forma, o SFS reunia em uma entidade única, a maior parte dos recursos das várias esferas governamentais destinadas ao saneamento através do BNH.

Os recursos eram canalizados para as CESBs, de forma que somente os municípios que haviam concedido seus serviços de água e esgotos para suas respectivas companhias estaduais de saneamento eram beneficiados pelo Plano, recebendo recursos federais para a implantação ou melhoria de seus sistemas de água e esgotos.

Embora tenha sido importante para a expansão do saneamento, tendo recebido substancial aporte de recursos, principalmente ao longo das décadas de 70 e 80, o PLANASA foi extinto abruptamente em 1992, dado o colapso das finanças públicas nesta época em que as fontes de financiamento se esgotaram acompanhando as dificuldades macroeconômicas, ao mesmo tempo em que terminaram as carências dos empréstimos obtidos nos anos anteriores e aumentaram as despesas de amortizações e os encargos financeiros das dívidas (Turolla)

Seu principal mérito foi ter propiciado um relevante aumento do nível de abastecimento de água atingindo praticamente a meta estipulada de 80% da população urbana, se bem que de forma desigual, uma vez que as regiões norte e nordeste ficaram bem abaixo das metas alcançadas nas demais regiões do Brasil. Jorge (1992) apud Smirdele)

Quanto ao esgotamento sanitário, observou-se um ritmo crescente naquelas décadas, mas inferiores ao crescimento populacional (Salles 2008).

Entretanto, segundo Rego Monteiro, Diretor Supervisor do Sistema Financeiro do Saneamento do BNH na década de 70, a grande falha do Sistema deveu-se primeiro, à política tarifária centralizada pelo governo federal agravada pela redução indevida das tarifas a fim de combater a inflação e em segundo a não evolução dos fundos estaduais (FAEs) devido, segundo ele, “a impontualidade das empresas no serviço da dívida com os FAE” e ao  “não cumprimento pelos Governos estaduais dos compromissos relativos à integralização dos FAE”.

Segundo Turolla, o PLANASA foi no século passado o único mecanismo articulado de financiamento e de modernização do setor de saneamento no Brasil. Após o seu colapso, as iniciativas governamentais, segundo ele, “revelaram-se pontuais e desarticuladas, enquanto a Política Nacional de Saneamento permaneceu por toda a década de 1990 sem regulamentação¨”.

Walter Annicchino, primeiro Secretário Nacional do Saneamento (1990-1992), acrescenta que “nos últimos 8 a 10 anos do PLANASA houve também uma destinação de recursos para as CESBs inadimplentes sem capacidade de ter esses empréstimos, com concorrências de obras dirigidas concedidas diretamente por uma diretoria da CEF através de critérios meramente políticos”.

Prossegue, enfatizando que “com o apoio da ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária em 1990 foi criada a Secretaria Nacional de Saneamento, estruturada dentro do possível, estabelecendo novos programas incentivando a modernização, bem como a recuperação administrativa e financeira das CEBs  Novos financiamentos foram concedidos para as empresas que se mostrassem viáveis, incluindo abertura para financiamentos a empresas municipais dentro dos mesmos parâmetros, mesmo com apoio restrito do setor e muitos interesses políticos e financeiros contrariados”.  E que em 1991 “foi colocado para discussão um novo plano de saneamento com novas ideias, inclusive propondo a possibilidade de concessões ao setor privado , plano que acabou não prosperando por longos quase trinta anos , mas acabou sendo o embrião para a promulgação do Marco Regulatório do Saneamento recentemente aprovado”.

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*José Eduardo W. de A. Cavalcanti

É engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia

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*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.