Cobre, lítio e níquel: transição energética eleva demanda, e mineradoras preveem dificuldade de fornecimento

Novos minerais ganham espaço na economia ‘carbono zero’, com os carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, mas oferta pode não acompanhar ritmo de procura

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de fios de transmissão. Esses equipamentos essenciais para descarbonizar a economia vão elevar a demanda por minerais como cobre, lítio e níquel a patamares inéditos. Mineradoras, porém, já avisam que não darão conta de oferecer todas essas commodities na quantidade necessária e uma escassez – seguida por pressão nos preços –  é esperada para os próximos anos.

No caso do cobre, devem faltar entre seis e oito milhões de toneladas do metal em 2030, de acordo com especialistas na área. O volume corresponderá a cerca de 25% do mercado e é o dobro da escassez registrada no início dos anos 2000, quando o crescimento acelerado da China aumentou a procura pela commodity e também desencadeou uma pressão nos preços – a tonelada superou os US$ 10 mil.

Agora, diante da previsão de falta global do produto, a cotação do metal também entrou em tendência de alta e hoje ronda a casa dos US$ 10,2 mil por tonelada. O Goldman Sachs, em relatório publicado em abril, estimou que o preço deve chegar a US$ 15 mil em 2025. Se a cotação se mantiver no patamar atual, afirma o banco, os estoques de cobre se esgotam no início de 2023.

Excelente metal para transformar e transmitir energia, o cobre é usado de forma intensiva nos carros elétricos – que vão se multiplicar pelas ruas com o processo de descarbonização da economia. Um único veículo desses leva entre 60 kg e 83 kg da commodity em sua composição, enquanto um modelo a combustão leva entre 15 kg e 20 kg.

Até o fim da década, os carros elétricos vão demandar 40% do cobre usado na transformação energética, segundo o Goldman Sachs. As turbinas das usinas eólicas, por sua vez, ficarão com 20% do total. No segmento da energia solar, calcula-se que a demanda por cobre avançará 15% ao ano até 2030. “A década de 2020 deverá ser a fase mais forte de crescimento da demanda global por cobre da história”, afirma o banco.

O uso do cobre no processo de descarbonização será essencial também na distribuição de energia. Toda a rede de transmissão precisará ser reforçada para dar conta do aumento de carga que é esperado no sistema com a eletrificação dos carros, por exemplo, que “puxarão” mais energia. Esse fortalecimento do sistema de distribuição precisará de cobre, usado nos fios de transmissão.

“Hoje temos uma capacidade de distribuição de energia que está dimensionada para a atual quantidade de energia transportada. Quando se tem um aumento de demanda na ponta, é preciso uma potência maior da rede de transmissão”, explica o consultor Rodrigo Más, sócio da Bain & Company.

O consultor lembra que uma maior produção de energia no local de uso – casas com painéis solares, por exemplo – será importante nos próximos anos justamente para reduzir a necessidade de reforçar a rede de transmissão.

Mesmo assim, o aumento esperado na demanda por cobre é tão alto que o relatório do Goldman Sachs que abordou o assunto tem como título Cobre é o novo petróleo. No documento, os analistas do banco destacam que o setor não está preparado para o papel crítico que terá nos próximos anos. “Uma década (anos 2010) de retornos fracos e preocupações com ESG (sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança) reduziram o investimento no crescimento da oferta futura”, afirmam os analistas Nicholas Snowdon, Daniel Sharp e Jeffrey Currie.

Ainda que as mineradoras se sintam agora incentivadas, em razão da perspectiva de preços mais altos, a investir em novos projetos, isso não será suficiente para evitar a escassez que o mundo observará nos próximos anos. Isso porque, em média, são necessários três anos para ampliar uma mina existente e oito anos para um projeto sair do papel e começar a operar.

A transição energética está motivando a reação no preço do cobre e incentivando uma nova oferta. Infelizmente, ter essa nova oferta leva tempo”

Mark Travers, vice-presidente de metais básicos da Vale

Na avaliação do vice-presidente de metais básicos da ValeMark Travers, a necessidade de bilhões de dólares em investimentos para construir cada mina acaba tornando o setor mais lento para responder às mudanças de demanda. “Custa muito construir um projeto grande de cobre. E, algumas vezes, os preços têm de incentivar as respostas (das empresas). Isso acontece com frequência na mineração. Quando os preços sobem, você tenta acompanhar com oferta.”

O consultor Ricardo Marques, sócio da área de mineração da KPMG no Brasil, lembra que as reservas dos minerais cuja demanda crescerá exponencialmente serão suficientes para atender o mercado. O problema será justamente acessar essas reservas rapidamente e garantir o ritmo de produção adequado.

LÍTIO E NÍQUEL

Entre os materiais cuja procura deve crescer de forma acelerada nos próximos anos por causa da eletrificação estão também o níquel e o lítio. No caso do níquel, a aplicação do metal deverá ser sobretudo em baterias. Para Travers, vice-presidente da Vale, a escassez do produto poderá ser ainda maior que a do cobre. “As histórias dessas commodities são parecidas”, diz. A pressão nos preços, pelo menos até agora, ainda não segue o ritmo da do cobre. Desde o começo do ano passado, a alta foi de 29%.

Ao contrário do lítio e do cobre, as possibilidades de exploração do níquel no Brasil são inferiores. Há algumas oportunidades no Pará, mas o material costuma ser destinado principalmente para a indústria de ferro. O processamento da commodity teria de mudar, portanto, para poder ser usado em baterias. Na Vale, o foco da exploração de níquel para eletrificação de carros é o Canadá.

Já a situação do lítio, abundante na natureza, é mais controversa. Há discordância entre os especialistas se haverá um descasamento entre demanda e oferta. “O lítio não tem hoje a demanda que o cobre já tem para outros usos (que não os de transição energética). Se a procura pelo lítio aumentasse gradualmente, talvez não houvesse problema, mas a oferta depende dos novos projetos e do ciclo de maturação”, diz Más, consultor da Bain.

Presidente da mineradora AMG Brasil (que atua com lítio), Fabiano Costa diz acreditar que a oferta de lítio nos próximos dez anos não acompanhará a demanda, fazendo com que os preços fiquem pressionados até 2030. Ele destaca que, desde o início da pandemia, já houve um aumento acentuado na procura pelo material. Considerando apenas o acumulado deste ano, os preços no mercado à vista chinês subiram 170%.

“A tendência agora é que se reduza a intensidade do crescimento de demanda, que deve passar a ser mais gradativo. Mas todos os estudos da área indicam que a demanda será maior do que a oferta até que as tecnologias de reciclagem ganhem força.”

Na visão de Ana Cabral-Gardner, codiretora executiva da Sigma Lithium, porém, a alta registrada até agora no preço do produto é pontual e decorre da ampliação das vendas de carros elétricos na Europa. Impulsionada pela pandemia – que amplificou o debate sobre meio ambiente -, a comercialização desses veículos no continente passou de 26% do total em 2019 para 43% em 2020.

“Isso ocorreu porque o aumento de demanda foi muito brusco. O lítio não é um material raro. O preço está subindo, mas está todo mundo escalando a produção”, afirma a executiva, cuja empresa começa a produzir o metal no ano que vem.

O consultor Reinaldo Fiorini, sócio da McKinsey, vai na mesma linha e pondera que o uso do lítio é mais específico que o do cobre. “A procura vai aumentar muito, mas o lítio terá aplicação mais restrita, em baterias de carro, sobretudo. Então o preço não deve ficar em patamares tão altos”, afirma. / COLABOROU IANDER PORCELLA


Com foco na descarbonização da economia, empresas brasileiras ampliam suas produções de minerais

Na Serra dos Carajás, onde a Vale tem a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo, o cobre vai ganhar espaço. A empresa está ampliando sua estrutura no local para poder explorar um dos metais cuja demanda vai crescer rapidamente com o projeto de descarbonização da economia global.

A intenção da mineradora é ampliar sua produção brasileira das 280 mil toneladas de cobre esperadas neste ano para 550 mil. No Canadá, também há projeções para a companhia aumentar a produção – de 110 mil toneladas para 130 mil. E um novo projeto na Indonésia deve acrescentar mais 220 mil toneladas ao montante.

A brasileira é uma das mineradoras que estão correndo para implementar projetos na área dos metais que serão mais demandados com a transição energética. Hoje, a Vale está na 12.ª posição no ranking das maiores mineradoras de cobre do mundo. Com esses projetos de ampliação, deve atingir a sexta ou a quinta colocação.

 

“A Vale está determinada a participar da transição energética. Temos uma estratégia para sermos muito fortes em cobre e isso ganhou corpo há um ano e meio”, diz o vice-presidente de metais básicos da companhia, Mark Travers.

Apenas em Carajás, são dois projetos de ampliação da exploração (Salobo e Alemão), além de um terceiro (Cristalino) que permitirá manter uma quarta planta (Sossego) operando em plena capacidade. A unidade de Cristalino, porém, deve levar ainda seis ou sete anos para ficar pronta. Na Indonésia, as obras da mina que não foram nem iniciadas também só devem ser concluídas no fim da década. “Estamos fazendo tudo que podemos para antecipar esses prazos o máximo possível”, diz Travers.

Os projetos em Carajás não são os únicos no Brasil que estão sendo expandidos para aproveitar a onda da descarbonização. A cerca de 2 mil quilômetros das minas de cobre da Vale, na cidade de Nazareno (MG), a AMG Brasil explora lítio desde 2018. A expansão da unidade ainda está em fase de estudos, mas a intenção é ampliar a capacidade em 45% a partir de 2023, segundo o presidente da companhia, Fabiano Costa.

 

Além de ampliar a exploração local, a AMG também trabalha para agregar valor à produção. A empresa está investindo US$ 160 milhões para fazer o primeiro refino do concentrado de lítio no Brasil. A última etapa no processo de transformação do concentrado de lítio no material usado na fabricação das baterias deverá ocorrer na Alemanha, onde o grupo está aportando mais 80 milhões de euros.

“Vários países da Europa já anunciaram que vão proibir a venda de veículos movidos a combustíveis fósseis. Para sustentar essa mudança, muito lítio vai ser necessário. Nós (a AMG Brasil) somos um grão de areia perto de tudo o que vai acontecer no mundo nos próximos 20 anos”, diz Costa.

Também em Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha, está surgindo uma nova empresa do setor: a Sigma Lithium. A companhia foi fundada em 2012, já está listada na Bolsa de Toronto e na Nasdaq, mas começa a produzir no ano que vem. Foram investidos, até agora, R$ 560 milhões no projeto, que já tem parte da produção futura pré-vendida para a japonesa Mitsui e para a coreana LG.

“Quando o investimento começou, já se olhava para o mercado de carros elétricos. Agora, o que vamos fazer não é mineração, mas venda de materiais de lítio com um valor agregado muito maior”, diz Ana Cabral-Gardner, co-diretora executiva da Sigma, explicando que a empresa fará no Brasil a primeira purificação do metal.

 

A mais antiga empresa brasileira do setor, a Companhia Brasileira de Lítio (CBL), que hoje vende o material para a produção de graxas, lubrificantes e medicamentos, também está mirando a eletrificação dos carros. O presidente, Vinicius Alvarenga, afirma que a CBL está pronta para produzir matéria-prima para a indústria de baterias caso algum fabricante se instale no Brasil.

De acordo com Fabiano Costa, da AMG, o Brasil tem um grande potencial na área de lítio, pois é um dos poucos países onde a commodity é encontrada em rochas. Em outras localidades, como no Chile, o metal aparece em salares. Nesses casos, qualquer aumento na umidade reduz a concentração do mineral, dificultando a exploração.

Ainda segundo o executivo, há reservas no Nordeste do Brasil que nunca foram estudadas e que poderiam ser uma fonte importante do metal. “Deveríamos dar mais atenção a isso, porque pode se tornar um vetor importante da indústria mineral e da economia do País.”

Fonte: Estadão