Cabem no Brasil mais cidadania e engenharia

Eduardo Lafraia*

Não cabe mais no Brasil de hoje a frase “olha com quem você está falando”. Cabe e se faz necessário mais cidadania e protagonismo da Engenharia. Cabe a mão do engenheiro e da engenheira para fazerem frente à pandemia, mais infraestrutura, mais empregos, mais saneamento básico, mais inovação e avanços tecnológicos tão necessários para o enfrentamento desse desafio que pode ser um dos mais importantes de nossas vidas.

A pandemia do coronavírus é uma experiência compartilhada por todos os habitantes do mundo, mas não é a mesma experiência para todos. Já existem evidências que a doença se espalha mais rapidamente em países com maior grau de desigualdade social, com bairros mais populosos, onde há moradia precária e falta saneamento básico. Não cabe mais no Brasil também a falta de infraestrutura, o déficit habitacional e tamanha desigualdade nas condições de moradia. Cabe a mão do engenheiro e da engenheira para levarem o saneamento básico aos 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e aos mais de 100 milhões sem coleta de esgoto. Permitindo assim, que a cada R$ 1 real gasto com saneamento, R$ 4 se economizaria em saúde pública.

O antropólogo Roberto DaMatta, em sua obra-prima Carnavais, Malandros e Heróis, afirma que a expressão “você sabe com quem está falando” é algo enraizado na sociedade brasileira, que evidencia a dificuldade que o brasileiro tem em respeitar regras coletivas, se valendo da famosa carteirada para que um título ou posição que ocupa o garanta tratamento diferenciado.

Não cabe mais no Brasil hoje a falta de cidadania, no que se refere ao zelo pelo cumprimento da lei, das normas sanitárias e de saúde. Cabe mais engenheiros e engenheiras intervindo na sociedade para transformá-la. Cabe também a formação de mais profissionais da engenharia para que elevemos a proporção atual de seis engenheiros para cada 100 mil habitantes para níveis como o do Japão e Estados Unidos onde há 25 a cada 100 mil, como mostra estudos da OCDE.

Nessa semana, Jeffrey Sachs afirmou que uma maior desigualdade leva a uma menor coesão social, menos confiança social e mais polarização política. Em um País que ocupa a 7º posição entre os países com maior desigualdade social do mundo, cabe ainda valores soberanos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, voltada para efetivamente enfrentar seus problemas e criar um pacto social em prol de atuar para a coletividade.

Mario Sérgio Cortella, brilhantemente mostra a pequenez daqueles que pretendem se mostrar superior, evidenciado a ínfima condição existencial do ser humano, diante da numerosa população mundial, em um planeta pequeno inserido dentro de um vasto universo, que hoje luta contra um inimigo comum, microscópico, chamado Covid-19.

O intuito da engenharia é colaborar com a definição de diretrizes para superar as deficiências brasileiras. A mão do engenheiro e da engenheira são imprescindíveis para apoiar o País no desafio de atingir os padrões internacionais na área de saneamento, de solucionar seu déficit habitacional e assim diminuir sua desigualdade social e vulnerabilidade vírus como o Covid-19 e outros que possam surgir. E dessa forma garantir aqueles que legalmente possuem cidadania, mas que não dispõe de condições estruturais, sociais e materiais, que possam efetivamente exercê-la.

*Eduardo Lafraia é presidente do Instituto de Engenharia

Fonte O Estado de S.Paulo