Números para uma boa reflexão

Por Francisco Christovam*

Acaba de vir a público o resultado de uma pesquisa, patrocinada pela Rede Nossa São Paulo e que já vem sendo realizada há alguns anos, que tem como objetivo mostrar vários aspectos relacionados à qualidade de vida dos paulistanos. Nas últimas semanas do ano passado, o IBOPE Inteligência entrevistou um número de pessoas que compõe uma amostra significativa daqueles que residem em São Paulo. A amostra utilizada considerou aspectos relacionados a sexo, idade, escolaridade, renda e local de residência, representando uma população de cerca de 9,8 milhões de pessoas.

Um dos resultados que mais chama a atenção daqueles que se interessaram pelos dados apurados é a confiança que o paulistano tem nos serviços de transporte por ônibus da cidade, operados pelas empresas concessionárias e gerenciados pela São Paulo Transporte S/A – SPTrans. Diga-se de passagem, desde 2008, essa confiança nunca saiu dos “Top 5”, dentre os vários serviços públicos oferecidos aos cidadãos que vivem na metrópole.

Nessa última pesquisa, cujos resultados acabam de ser revelados, os serviços prestados pelas empresas de ônibus, a mais de nove milhões de passageiros, por dia, ocupam a terceira posição, sendo superados apenas pelos serviços realizados pela Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, que transporta, diariamente, cerca de 5,3 milhões de passageiros e pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP, que atende cerca de 11 milhões de habitantes da cidade de São Paulo. Os serviços prestados pelo Metrô, pela SABESP e pelas empresas de ônibus, segundo os entrevistados, são mais confiáveis do que aqueles sob responsabilidade da Polícia Militar, Guarda Civil Metropolitana, Companhia de Engenharia de Tráfego – CET, Ministério Público e Tribunal de Contas do Município – TCM, entre outros.

A cidade de São Paulo conta com uma frota de quase 14 mil ônibus, de vários tipos e tamanhos, que são operados por 24 empresas concessionárias, que utilizam mais de 40 garagens e pátios para os serviços de limpeza, conservação e manutenção dos veículos. Essa frota opera em mais de 1,3 mil linhas, utilizam 30 terminais de integração e circulam por mais de 4,5 mil km de ruas e avenidas da cidade.

Apesar do tamanho da frota, da quantidade de passageiros que são transportados diariamente e de toda a complexidade envolvida na operação das linhas, o sistema de transporte por ônibus conta com apenas 130 km de corredores e 500 km de faixas exclusivas, que conferem alguma prioridade ao transporte coletivo. No mais, os ônibus disputam o espaço viário com os automóveis, com as motos, com as bicicletas, com os caminhões de entrega – VUC’s e, por vezes, até com os pedestres que ignoram as passarelas e cruzam as ruas fora das faixas de travessia ou no sinal vermelho.

Como o ônibus é o principal modo de transporte do paulistano, carregando mais passageiros do que o sistema sobre trilhos, operado pelo Metrô e pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM, era de se esperar que a ele fosse dado um pouco mais de atenção, importância e respeito por parte dos órgãos gestores. Em outras palavras, não adianta um bom planejamento de rotas, o uso de veículos modernos e com várias tecnologias embarcadas, motoristas capacitados e bem treinados e sistema eficiente de informação ao cliente, se os ônibus não puderem contar com uma pista de rolamento em bom estado, instalações e equipamentos urbanos apropriados (pontos, abrigos, terminais de transferência) e sinalização vertical e horizontal eficientes. Não há como melhorar a qualidade dos serviços prestados pelas empresas operadoras sem uma infraestrutura mínima adequada.

Ônibus que circulam por ruas esburacadas, com valetas ou lombadas, com estacionamento de automóveis em ambos os lados das vias, compartilhando o espaço viário com outros veículos, que embarcam e desembarcam passageiros ao relento e em calçadas desniveladas e cheias de buracos e obstáculos, que não têm nenhuma prioridade no sistema semafórico da cidade, não conseguem prestar um bom serviço à população.

Não fosse a insuficiente e insatisfatória infraestrutura disponibilizada para o sistema de transporte por ônibus, alguns formadores de opinião insistem em difamar a imagem do transporte coletivo oferecido à população, sem nenhuma preocupação em conhecer um pouco mais sobre as condições operacionais e outros tipos de adversidades a que estão sujeitas as empresas responsáveis pela prestação dos serviços. Preferem, salvo raras exceções, fazer a crítica pela crítica, sem nenhum compromisso com a realidade dos fatos ou com a boa informação aos seus leitores, ouvintes ou telespectadores.

Cabe destacar que qualquer cidade do porte de São Paulo – Mumbai, Xangai, Karachi, Nova Déli, Istambul, Moscou, Seul, Pequim e Cidade do México – opera seus respectivos sistemas de transporte, nos horários de pico, no limite da capacidade dos vários modais disponíveis. Nos horários críticos, circular com lotação de banco, ou seja, apenas com passageiros sentados, é algo inimaginável por qualquer técnico com um mínimo de conhecimento sobre custos de produção dos serviços e impensável para quem tem a obrigação de gerir o orçamento público de quaisquer dessas cidades.

Muito provavelmente, a população nem sabe que as empresas operadoras cumprem 97% das partidas programadas pelo órgão gestor, que quase metade da frota já possui ar condicionado, que ocorre um acidente a cada 645 mil quilômetros percorridos, que a quilometragem média entre falhas (MKBF) é de 14,6 mil quilômetros rodados e que as empresas recebem uma reclamação a cada 120 mil passageiros transportados.

É importante registrar que o sistema de transporte por ônibus na cidade de São Paulo deverá passar por mudanças importantes, do ponto de vista da melhoria da qualidade dos serviços, a curto e médio prazos. Em setembro do ano passado (2019), a Prefeitura assinou novos contratos de concessão com 24 concessionárias, que assumiram a obrigação de prestar esse serviço público pelos próximos 15 anos. Os novos contratos contêm avanços e possibilitam melhorias que deverão ser percebidas pela população ainda neste ano.

Mas, mesmo sem poder contar com a infraestrutura necessária e adequada e ignorando aqueles que, por desconhecimento ou má-fé, persistem em só ver o lado ruim dos serviços prestados pelos ônibus, a pesquisa mostrou que parte significativa da população paulistana confia nas empresas operadoras e reconhece os esforços empreendidos para superar as dificuldades e garantir, todos os dias do ano, faça chuva ou faça sol, seus desejos de deslocamento pela cidade.

Por último, a confiança depositada pela população nos serviços de transporte por ônibus aumenta a responsabilidade das empresas operadoras e praticamente obriga o Poder Concedente a rever a forma de se relacionar com as concessionárias. O desafio de oferecer serviços de qualidade à população é tão grande que somente a união de esforços e de propósitos entre o órgão gestor e as empresas possibilitará atingir os objetivos desejados e satisfazer as necessidades de deslocamento dos passageiros.

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Francisco Christovam*

É presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss. É, também, vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, membro do Conselho Diretor da Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos – NTU e da Confederação Nacional dos Transportes – CNT e membro dos Conselhos Deliberativo e Consultivo do Instituto de Engenharia.

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo