Gênero e corrupção

Por Flavia Bartkevicius Cruz*

Que a corrupção atrapalha o empoderamento econômico da mulher já não é nenhuma surpresa. A proposta deste trabalho é discutir como ela atrapalha, o que faz com que ela atrapalhe mais as mulheres que os homens e quais mecanismos podemos usar para evitar ou diminuir tal prejuízo.

Começando pelo como. Existe um ditado pular que pode ser adaptado no caso da corrupção para “se um não quer, dois não se corrompem”. Ou seja, a corrupção é sempre um ato múltiplo, é preciso que existam, no mínimo, duas pessoas: o corruptor e o corrompido. O corruptor é o mentor intelectual do ato de corrupção, o corrompido participa do ato. Essa participação pode acontecer ativamente, passivamente, por coação ou por “negação”/”abstinência”.

É preciso enxergar o corrupto como um sociopata, alguém que deseja tirar algo da sociedade sem oferecer nada em troca. Como se pode ver, o corrupto não está preocupado com sua imagem ou com a família. E é aí que entra a figura feminina. Apesar do patriarcado, são sempre as mulheres que constituem a base sólida de formação na família.
Assim, para uma mulher, é mais difícil lidar com situações que possam ter algum impacto em sua imagem social.

Mas, como isso atrapalha? Ora, atos de corrupção desviam o dinheiro de obras que visam a melhoria do social, do esporte, da cultura, da educação. Dessa falta de verba, advém a falta de investimento e com a falta de investimento ocorre o desinteresse de grupos de investidores, o que torna mais difícil o desenvolvimento dessas áreas.
É preciso considerar também que por muito tempo as mulheres estiveram alijadas do mercado de trabalho. Isso as tornou também sujeitas a abusos por parte de seus superiores que se aproveitam desse senso de família para coagi-las a corromperem-se.
Easerey (2014) coloca que “there lation ship between genderand corruption is strongest where accountability is strongest”.

E diz que existem quatro fontes de variação nesse senso de responsabilidade: se o país tem ou não um histórico de altos níveis de corrupção, a quantidade de liberdade de imprensa no país, a separação de poderes e o nível em que o sistema político é personalista e focado em candidatos, concluindo que, a representação feminina tem uma relação maior com o controle da corrupção em democracias onde o risco de detecção e punição (ou seja, senso de responsabilidade) é maior.

Assim, quais mecanismos podemos desenvolver para evitar ou diminuir esse prejuízo?
A solução passa por uma mudança de mentalidade e educação. Até a década de 70, as meninas, com algumas exceções, eram criadas para serem boas esposas e boas donas de casa e os meninos para serem os provedores da família. Contudo, a sociedade mudou e essas mulheres, que hoje estão na casa dos quarenta anos, estão no mercado de trabalho.

O primeiro passo foi dado, diversos grupos de mulheres vêm surgindo defendendo a sua atuação em seus respectivos mercados. Algumas organizações vêm percebendo, inclusive, que empresas com mais mulheres em posições executivas têm melhor desempenho no mercado.

Mas essa mudança não pode ocorrer apenas no lado feminino da sociedade. É preciso envolver todos na discussão. As mudanças não podem ocorrer apenas na educação das meninas, mas na educação de toda a família.

É preciso quebrar tabus. Por muito tempo, toda mulher que ousasse levantar a voz para ser ouvida era imediatamente identificada como homossexual e feminista (no sentido mais pejorativo que o termo já teve, “aquela que não gosta de homem”). Ainda hoje, principalmente para as gerações mais antigas, falar sobre o preconceito que a mulher sofre no ambiente de trabalho ainda é tabu.

Não será uma mudança fácil. Passa por aprendizado de todos, da mulher que precisa aprender a elevar a voz, do homem que precisa aprender a escutar a mulher como colega e não como um ser inferior ou emocional, pelos pais que precisam educar os filhos de modo diferente, visto que hoje, não existe mais o modelo tradicional de família em que “papai foi à roça e mamãe passear”. Hoje, estão os dois na roça, na lavoura, no trabalho.

Os papéis não se inverteram – e nem é essa a proposta dos grupos que vêm se formando para valorizar a atuação das mulheres – mas tornaram-se complementares. Hoje, o companheiro não é mais o provedor, mas o companheiro propriamente dito, parceiro nas ações dentro e fora de casa.O papel do provedor, hoje, é compartilhado por todos aqueles que estejam no mercado de trabalho.

Assim, é esse o caminho para a solução.

[1] a relação entre gênero e corrupção é maior onde a responsabilização é mais forte (tradução da autora)

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Flavia Bartkevicius Cruz* é engenharia Elétrica, com ênfase em Eletrônica, pelo Instituto Mauá de Tecnologia e, atualmente, está fazendo especialização em Engenharia Ferroviária e Metroferroviária pela mesma escola. Cursou Letras na USP com especialização em tradução.
No mercado, atuou nas áreas de telecomunicações (redes metálicas e fibra óptica) e petróleo e gás. Atuou como diretora de Filiação na Associação de Ex-Alunos do Instituto Mauá de Tecnologia (AEXAM), em 2017, onde foi coresponsável na organização de cursos, eventos e palestras. No Instituto de Engenharia, foi coordenadora da Divisão Técnica de Telecomunicações, de março/2015 a janeiro/2018, período em que organizou dois seminários sobre Internet das Coisas: “IoT-A Revolução das Coisas” (2016) e “IoT e os desafios da indústria 4.0” (2017). Atualmente, é coordenadora da Divisão de Controle e Automação e diretora de Associações de Ex-Alunos, do Instituto de Engenharia.

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo