Água para São Paulo*

As informações preliminares do Censo de 2010 já indicam que a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) está com seu contingente populacional praticamente estabilizado em cerca de 20 milhões de habitantes. 

Essa noticia significa que estamos diante de uma oportunidade para agregar valor à qualidade de vida da população que aqui vive, sem as pressões do crescimento populacional.
No que diz respeito à disponibilidade de água, o Estado de São Paulo tem uma oferta de 2.880 m³/s para uma demanda total de 453 m³/s incluídos aqui os usos para as atividades urbanas (137 m³/s), as industriais (138 m³/s) e as de irrigação (178 m³/s) , que estão presentes em diferentes bacias hidrográficas para uma população de 40 milhões de habitantes, que representam 20% da população brasileira. 

Quando se analisa o panorama das 22 bacias hidrográficas do Estado verifica-se que cinco delas apresentam situação absolutamente críticas em termos de recursos hídricos (Pardo, Piracicaba-Capivari-Jundiaí, Alto Tietê, Tietê-Jacaré, e Turvo Grande), nas quais vivem cerca de 29 milhões de habitantes, isto é, 70% da população do Estado; outras seis (Baixada Santista, Sapucaí-Grande, Mogi Guaçu, Sorocaba-Médio Tietê, Baixo Pardo-Grande e Tietê-Batalha) estão em situação crítica e compreendem a população de 6 milhões de habitantes, isto é, 14,5% da população do Estado. Portanto, 84,5% da população do Estado vive em situação crítica em relação aos seus recursos hídricos, que representam condição fundamental para a boa qualidade de vida, e para o desenvolvimento econômico. 

Portanto somente 15,5% da população do Estado vive em condições confortáveis no que diz respeito à disponibilidade de recursos hídricos. 

Todos esses fatos são do conhecimento dos técnicos e responsáveis pela administração do setor no âmbito estadual. Planos e alternativas de solução foram desenvolvidos por competentes técnicos, que utilizaram dos melhores instrumentos de planejamento, e foram apresentadas as alternativas em termos de redirecionamento dos usos e ocupação do solo, do zoneamento industrial e agrícola, estudos da capacidade de suporte das diferentes bacias e, portanto, não pode mais tardar o momento de implementar as soluções. 

O problema pela sua magnitude e implicações exige soluções integradas e com largueza de espírito, principalmente por que se trata de questões de segurança da saúde pública; não há mais tempo para digressões tópicas e românticas, há necessidade de soluções urgentes e de longo prazo, com visão de Estado e não de partidos políticos. 

Veja-se o caso da Região Metropolitana de São Paulo, aglomerado pujante de 20 milhões de habitantes, com grande contribuição à geração de riquezas do País que tem uma disponibilidade hídrica de 39 m³/s e uma demanda de 82 m³/s e que hoje já importa 33 m³/s da bacia do Piracicaba que por sua vez também está em situação crítica. É evidente, portanto, que a RMSP está exigindo um novo sistema de produção de água que não está disponível na própria bacia. 

Alguns entendem que o próximo sistema deverá conter a importação de água do Vale do Rio Ribeira, onde há uma disponibilidade de 220 m³/s e uma demanda de 4,2 m³/s, os custos,e mesmo a qualidade dessa água não são fatores desprezíveis, e certamente essa solução será confrontada com as alternativas de tratamento avançado, possibilitando o reuso de águas mais próximas, aliviando as pressões de outros usos que não o humano. Outros advogam o retorno dos mananciais Itatinga-Itapanhau para a RMSP o que debilitaria as possibilidades futuras da Baixada Santista que está em franco e acelerado processo de crescimento em função das perspectivas da exploração de petróleo. 

Um sistema produtor de água, com as complexidades e os percalços existentes na RMSP, não se conclui em menos de 15 anos. De fato, esse foi o tempo que levou para se consolidar o sistema Cantareira. O sistema Alto Tietê, com suas barragens, túneis e canais; A Estação de Tratamento de Água (ETA) Alto Tiete foi inaugurada em 1981 e só no próximo ano atingirá sua capacidade máxima de 15 m³/s – nem se imagina que tenha havido uma desapropriação de uma fábrica de papel desativada existente na bacia que levou mais de 25 anos para ser efetivada. O sistema Capivari-Monos com 2 m³/s de água na cabeceira do Guarapiranga, com água de primeira qualidade preservada e destinada à RMSP, com financiamento do Banco Mundial, deixou de ser construído por que cortava “uma trilha secreta dos índios – 12 famílias! falando castelhano!”. 

Para a avaliação de tão complexo conjunto de variáveis, e problemas há a necessidade urgente de se implementar o instrumento da Avaliação Ambiental Estratégica aplicada à política estadual de saneamento e aos planos e programas do setor, incorporando desde logo as questões ambientais com seus impactos positivos e negativos, e seus conflitos de interesses. É imperativo levar em conta a moderna visão de abastecimento de água que incorpora a necessidade de se contrapor aos novos e desafiadores contaminantes como os fármacos e os disruptores endócrinos que estão cada vez mais presentes nos recursos hídricos, bem assim as necessidades fundamentais de segurança na água de abastecimento da população. 

Todos os atores e fatores envolvidos devem estar representados com isenção e abstraídos de interesses personalistas, e apresentando com clareza suas demandas. Um corpo técnico constituído por especialistas reconhecidos e independentes deve ser formado para estabelecer as linhas principais dos estudos, que já deverão servir de base para o desenvolvimento dos Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do correspondente Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). 

O desenvolvimento desse trabalho deve ser amplo o suficiente para analisar e incorporar as complexas variáveis que um empreendimento de tal envergadura pressupõe, e deve ser específico na 
proposta de solução levando em consideração as complexidades e dimensões do problema. 

Principalmente há de se considerar que, com o crescimento econômico que se espera para o País nos próximos anos sem dúvida capitaneado pela RMSP, as taxas de consumo per capita de água certamente se elevarão na mesma proporção, ou até mesmo em valor maior que o crescimento da renda per capita e as condições atuais do abastecimento não permitem conforto em relação a essa esperada e inexorável condição. 

Os sistemas produtores da RMSP na situação atual exigem um reforço urgente para atender com água segura a população. A vulnerabilidade está presente através da exploração dos sistemas Billings-Guarapiranga, que não foram construídos para serem mananciais e que hoje estão nesta condição; os riscos que aquelas águas apresentam no longo prazo (disruptores endócrinos, entre outros) não são desprezíveis. Da mesma forma, as águas do sistema Baixo Cotia sempre foram e continuam sendo causa de enorme preocupação. 

Os demais sistemas estão no limite de sua exploração, basta um período um pouco mais prolongado de estiagem que em tempos de aquecimento global é previsível, e a RMSP terá seu abastecimento em risco e o racionamento à espreita. Tais ponderações levam-nos à advertência de Hazem formulada 50 anos atrás: “Ignorance is better than repentance” (a ignorância é melhor do que o arrependimento). 

E, não se poderá alegar desconhecimento do problema. 

São Paulo não pode mais esperar.

*Artigo publicado em 2010