Os mistérios do mapa mais adorado do mundo

O atual mapa do metrô de Londres, 85 anos depois de ele ter sido 'concebido' (Crédito: TFL Maps)

Nas décadas que se seguiram, vários mapas foram criados para ajudar os passageiros a se guiarem pela rede que se ampliava sem parar. Mas nenhum deles tinha a cara do diagrama criado por Harry Beck em 1931, que serviu de base para o mapa que hoje é adorado tanto pelos londrinos quanto por quem visita a cidade. 

O fato de ter havido tantos mapas anteriormente prova que o metrô criou um problema que levou muitos anos para ser resolvido à custa de muito talento e habilidade.
Afinal como um designer poderia representar em sua integridade linhas que se cruzam em alguns quilômetros quadrados do centro da cidade, mas ainda se estendem a áreas da periferia que, até 1900, eram fazendas, descampados e vilarejos remotos? E como tudo isso poderia caber em um único espaço pequeno o suficiente para ser guardado no bolso?

Tamanho é documento
A simples expansão da rede do metrô tornou seu mapeamento problemático. Até mesmo no centro de Londres, onde estações como Covent Garden e Leicester Square ficam a apenas 200 metros uma da outra, enquanto outras como King's Cross e Farringdon distam de 1,85 quilômetros.
Fora do centro, o metrô se estendia até o condado de Buckinghamshire, a 80 quilômetros. 

Como os mapas da época se baseavam nos conceitos que existiam até então, os desenhistas acreditavam ser necessário apresentar as distâncias geográficas em uma escala verdadeira.
Mas até 1930, ficou claro que qualquer mapa que pretendesse cobrir toda a malha seria sempre algo grande e pouco prático para se carregar o tempo todo – principalmente dentro das apertadas estações. Por isso, apenas as estações mais centrais eram mostradas.

O design feito por Harry Beck em 1931: a base para todos os futuros mapas desenhados do metrô (Crédito: TfL, do Museu do Transporte de Londres) 

Muitos desses primeiros mapas, projetados por artistas, têm seu charme e acabaram virando itens de colecionador. Mas os problemas continuavam: eles não eram abrangentes nem práticos.

Mapa ou Mondrian? 

Em 1931, Harry Beck, um jovem engenheiro projetista que foi admitido nos quadros da companhia administradora do metrô seis anos antes, apresentou uma solução.
Seu projeto se tornou não apenas uma ferramenta de grande utilidade para os passageiros, mas também virou um ícone do design, servindo de base para os mapas atuais. 

Ainda assim, quando Beck mostrou seu “diagrama” para a direção do metrô, houve quem duvidasse da eficiência do projeto. Ele continha linhas horizontais, verticais ou em ângulos de 45 graus. Ignorando a geografia, o mapa parecia o cruzamento de um diagrama de circuito elétrico com um quadro do pintor holandês Piet Mondrian. 

Beck argumentou que o fato de o mapa não representar fielmente a distância ou a localização geográfica das estações não tinha importância: o que os passageiros precisavam saber era como chegar de uma estação a outra da maneira mais eficiente possível e onde fazer baldeações. 

Em 1933, o metrô, os ônibus e os bondes da cidade foram unidos sob o guarda-chuva de uma única empresa estatal, a London Passenger Transport Board. 

Com um espírito modernizador, a companhia aproveitou o momento para testar como o público responderia ao radical “diagrama” de Beck. Após distribuir 500 cópias em algumas estações em 1932, a empresa decidiu imprimir 700 mil cópias em 1933. 

Foi um sucesso instantâneo, e uma nova impressão teve que ser feita um mês depois.
Racha com estatal 

Mas o mapa não era perfeito, pois Beck não conseguiu incluir algumas estações mais afastadas. Ao longo dos anos seguintes, ele resolveu vários quebra-cabeças do design atualizando seu projeto original. 

A última versão desenhada por Beck saiu em 1960, quando ele brigou com a estatal. A tarefa de seguir desenhando o mapa foi passada para Harold Hutchinson, representante de publicidade da companhia.

Esse mapa é uma réplica do mapa icônico, exceto pelo fato de os nomes das estações terem sido substituídos por celebridades. (Crédito: The Great Bear, 1992/Simon Patterson/Victoria & Albert Museum) 

Vendo sua criação nas mãos de outra pessoa, Beck entrou com um longo processo judicial contra a London Transport. Ele desistiu da causa em 1965. Mas até sua morte, em 1974, ele continuou trabalhando com o mapa em casa, além de ter feito desenhos para o metrô de Paris.
Desde 1986, o design se tornou uma tarefa corporativa. Com exceção de Beck, nenhum outro desenhista é identificado. 

Há muitos anos, o mapa se tornou global, inspirando não apenas inúmeras plantas de metrôs em vários continentes mas também como um item onipresente em camisetas, canecas e outros suvenires.

Autêntico design britânico
I
sso significa que, quando há grandes mudanças no mapa, todo o mundo nota. Nos últimos anos, o projeto foi mudado para abrigar linhas novas como a Docklands Light Railway e a rede do Overground. 

Em 2009, o rio Tâmisa, que tinha permanecido como um forte elemento geográfico, foi retirado do mapa. Houve uma grande insatisfação por parte dos cidadãos de Londres e uma extensa cobertura por parte da imprensa internacional.
Isso fez com o que o Tâmisa voltasse ao mapa poucos meses depois. O mapa sem o rio virou um item tão raro que colecionadores são capazes de pagar uma fortuna por ele. 

Em 2006, o mapa de Beck ficou no segundo lugar em um concurso da BBC no qual 200 mil espectadores elegeram o melhor objeto do design britânico, entre eles o Mini, o Jaguar E-Type e a capa do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. O primeiro lugar ficou com o Concorde, talvez o avião mais bonito que já existiu.

Autor: BBC