Falta de definições marca orçamento incompleto da Olimpíada do Rio

O documento, prometido desde o início de 2013, traz os custos de apenas 24 de uma lista de 52 projetos para a Olimpíada. Orçados em R$ 5,6 bilhões, os projetos divulgados são apenas aqueles que não aconteceriam caso a cidade não sediasse os Jogos. São locais de competição e instalações que servirão ao funcionamento da Olimpíada, como o centro de imprensa.

Os organizadores classificaram as 52 ações previstas para a realização dos Jogos de acordo com seis “níveis de maturidade”, sendo 1 o mais básico, do projeto conceitual, e 6 o projeto concluído, e tomaram a decisão de divulgar custos apenas quando elas entram no nível 3, que é o do edital de licitação publicado. 

Seguindo este critério, as ações que ainda não figuram na Matriz foram deixadas de fora porque ainda não atingiram o nível 3 – e, embora estejam sendo projetadas, seus custos não serão divulgados até que os editais de licitação estejam redigidos e publicados.
Dos R$ 5,6 bilhões orçados, 74% são provenientes da iniciativa privada, por meio de Parcerias Público Privadas (PPPs). O percentual, no entanto, deve ser alterado quando forem conhecidos os custos de obras de infraestrutura, na segunda quinzena de março. 

A estes valores se somam os R$ 7 bilhões que serão necessários ao Comitê Organizador, divulgados na semana passada, num total de R$ 12,6 bilhões.
No dossiê de candidatura para sediar a Olimpíada, o custo total estimado para organizar toda a competição era de R$ 22 bilhões. 

Prazos 

Organizado pela APO (Autoridade Pública Olímpica), um dos órgãos responsáveis pelos Jogos, o evento foi aberto pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, que disse que apesar dos atrasos, a partir de agora a Matriz deve ser atualizada “a cada seis meses, ou sempre que for necessário”. 

A organização diz estar evitando ao máximo o uso de recursos públicos, mas o governo tem compromissos assinados com o COI (Comitê Olímpico Internacional) de “salvar” as contas dos Jogos caso haja déficit – motivo da preocupação de analistas.
Questionado sobre comparações entre os valores estimados no dossiê de candidatura e os valores já divulgados, o general paraquedista Fernando Azevedo e Silva, presidente da APO, disse que “prefere não falar do passado, e sim focar no presente”. 

“O fato de uma iniciativa não estar na Matriz não quer dizer que está atrasada”, disse Maria Silvia Bastos Marques, presidente da Empresa Olímpica Municipal, a respeito das finanças e prazos dos Jogos.
Para ela, também é natural que o custo de ações que só serão colocadas em prática poucos meses antes dos Jogos, como uma arena a ser construída na praia de Copacabana e arquibancadas e outras estruturas na Lagoa Rodrigo de Freitas, só sejam conhecidos quando comecem a ser implementados.
Questionados sobre um prazo claro para a divulgação dos projetos restantes, nenhum dos integrantes da mesa soube precisar uma data. 

Críticas 

Analistas procurados pela BBC criticaram a divulgação do documento, destacando o que percebem como falta de transparência. 

Para Orlando Alves Jr., do Observatório das Metrópoles e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da UFRJ, “mesmo após os atrasos e a pressão de diferentes órgãos, o que foi apresentado é algo incompleto, uma manobra para evitar o controle do que está sendo projetado.”
“Nenhuma das intervenções urbanas está listada ali. A Matriz deve ser um documento de transparência, de comunicação e prestação de contas para o público”, diz. 

O secretário-executivo do Ministério do Esporte, Luís Fernandes, disse que após a experiência dos Jogos Panamericanos “aprendemos a necessidade de sermos mais transparentes”.
Mas Alves Jr. classifica como “lamentável” a metodologia de trabalho dos organizadores dos Jogos, que argumentam que os custos dos projetos só serão incluídos na Matriz quando atingem o “nível 3 de maturidade” (quando o edital de licitação já está publicado). 

Para o especialista, a situação se assemelha à de uma pessoa que reforma uma casa e dá um cartão de crédito para um arquiteto comprar materiais e planejar toda a obra sem jamais prestar contas durante o processo, apenas apresentando a conta final, quando já não há muito o que fazer. 

“A captação de recursos privados foi muito bem-sucedida, mas há duas opções de entrada de recursos públicos: para uma eventual cobertura de déficits e nos aportes de cada ente público em obras estruturais. Se houver necessidade, também pode haver substituição dos recursos. Há muitas possibilidades, mas não temos definição ainda. Não batemos o martelo em nada, estamos estudando exemplos”, disse o general paraquedista Fernando Azevedo e Silva, chefe da APO. 

Para José Renato Santiago, professor da Fundação Vanzolini, é preocupante que o COI não tenha se manifestado de forma mais enérgica quanto ao que percebe como falta de transparência das contas dos Jogos do Rio. 

“No final todos vão acabar recebendo recursos de maneiras no mínimo ‘esquisitas’. É claro que se trata de um grande negócio para todos.”
“Haverá lucro, mas quem sempre sai perdendo com essa falta de responsabilidades é a sociedade”, diz. 

O analista também mostra preocupação com o impacto que a gestão dos recursos pode ter na economia e no legado posterior aos Jogos, e lembra que os canadenses tiveram que arcar com os altos custos da Olimpíada de Montreal, em 1976, cujo orçamento estourou em mais de 700%.

Autor: BBC