50 anos de Brasília: Palace Hotel, a presença do aço na capital federal

Fruto do plano de metas “50 anos em 5”, de Juscelino Kubitschek, Brasília foi projetada para ser a capital federal do país. Em 21 de abril de 2010, a cidade torna-se cinquentenária, abrigando não só os poderes federais brasileiros, mas também esplêndidas obras arquitetônicas.

Dentre as grandes construções da época do nascimento da capital, o Portal Metálica destaca o Brasília Palace Hotel – a única obra construída com ligas metálicas nacionais. Servindo de vitrine para o aço, o Palace é o primeiro hotel da cidade, construído para abrigar as autoridades e os ilustres profissionais que iniciavam a construção da capital federal.

Pisando no acelerador: a introdução do aço na construção
Com obras tanto em concreto armado como em estrutura metálica, o aço foi fundamental para que a construção da cidade ficasse pronta a tempo, em menos de um mandato presidencial. E apesar de sua fama concretista, Niemeyer se rendeu ao aço para o início da construção da capital justamente pelo fator tempo. “A construção de concreto não deixa de ser um artesanato, o qual você usa formas, você molda”, comenta o engenheiro Paulo Andrade, que na época trabalhava na FEM (Fábrica de Estruturas Metálicas), a única fornecedora de estrutura aço brasileira que participou do início da construção de Brasília. Por ser um sistema de construção industrializada, as estruturas metálicas permitem maior rapidez com melhor distribuição dos períodos de tempo durante a obra.

A opção foi, então, construir a partir de estruturas metálicas, que depois seriam revestidas de concreto. Grande parte do aço utilizado nas obras vinha dos Estados Unidos, como o que foi utilizado nos ministérios e nos anexos do Congresso. Calcula-se que o total importado chegue a 15 mil toneladas do material. Para chegar a Brasília, tanto o aço quanto o cimento eram transportados por caminhões que enfrentavam estradas em estado absolutamente precário de conservação.

O grande obstáculo do uso de estruturas metálicas no Brasil, naqueles tempos, era a falta de mão de obra especializada. Logo, o manejo das construções com aço foi delegado a uma empresa americana, a Reymond Pill, estabelecida no Brasil como Construtora Planalto.

O aço combinado ao concreto permitiu a construção de grandes vãos com vigamento e pilares extremamente esbeltos. A combinação foi utilizada nos prédios do Ministério, mas o destaque do Portal Metálica vai para uma construção em específico: o Brasília Palace Hotel. 

Vitrine metálica: Brasília Palace Hotel
Predominantemente composto por estrutura metálica, o Brasília Palace Hotel é a única exemplificação do uso do aço nacional em Brasília. Segundo muitos especialistas, foi a partir daí que a aplicação do aço disseminou-se pelo resto do país, ainda inexperiente na estrutura. O Brasil possuía algumas obras em estrutura metálica em São Paulo e Minas Gerais, construídas cerca de dez anos antes de Brasília. 

As obras do Palace começaram em setembro de 1957. Para a construção do edifício foram usadas 905 toneladas do aço de origem brasileira: fora produzido pela FEM, pertencente à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, atual capital do aço. O transporte era feito de trem até Anápolis (GO), e de lá seguia via caminhão pelas precárias estradas até Brasília.

Paulo Andrade, conta uma história curiosa, fruto justamente do difícil transporte de cargas para a região. “Um dia a obra parou porque faltavam peças, e a FEM foi avisada. Mas a fábrica dizia que tinha enviado as peças, porém, elas não haviam chegado. Alguma coisa tinha acontecido no caminho, e foi aí que descobriram: o caminhão que estava carregando as peças encalhou e caiu no barranco. A estrada era “tão boa” que ninguém percebeu”. 

E então surge a pergunta: por que apenas o essa obra recebeu estruturas metálicas nacionais em sua construção? Por causa da urgência da obra, “Brasília estava começando e precisava de um abrigo, um hotel. A estrutura metálica vinha para atender a urgência da necessidade; não dava tempo para construir o concreto, nem aguardar as importações, como aconteceu com a estrutura dos Ministérios. Precisava abrigar os técnicos e toda aquela gente que ia trabalhar em Brasília”, explica o engenheiro.

Fizeram parte da equipe de montagem do Brasília Palace Hotel cerca de 20 trabalhadores, todos funcionários da FEM. O prédio foi construído em cinco andares, incluindo um subterrâneo. A estrutura metálica foi montada em menos de quatro meses, e o diferencial é que elas eram rebitadas, e não parafusadas ou soldadas, como acontece atualmente. 

Brasília Palace Hotel foi o primeiro edifício da capital federal, inaugurado em 30 de junho de 1958, mesma data de inauguração do Palácio do Planalto e da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima. Como principal abrigo para as autoridades que passavam pelo canteiro de obras de Brasília, o Palace foi o quartel-general da capital em construção.

Em 5 de agosto de 1978 o prédio foi vítima de um incêndio, culminando no fechamento do hotel. Depois de quase 20 anos abandonado, o Brasília Palace Hotel foi reformado e restaurado sob a supervisão de Oscar Niemeyer, e hoje o estabelecimento opera normalmente, com 114 apartamentos distribuídos em três andares. 

Histórico
A construção da capital demorou a sair do papel. Presente nas Constituições de 1891, 1934 e 1946, a ideia só foi retomada pelo então candidato à presidência da República, Juscelino Kubitschek, em 1955. Ao ser eleito, JK incluiu Brasília em seu plano de metas “50 anos em 5” e, em 19 de setembro de 1956, o Congresso aprovou a lei que permitia a construção da cidade.

Local
A região do planalto Central foi a eleita para abrigar o ilustre município. A escolha teve como objetivos:

•afastar a capital federal da área litorânea do país, considerada mais vulnerável;
•impulsionar o crescimento do interior do país;
•descentralizar o desenvolvimento financeiro e urbano, concentrado nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro;
•aproveitar a mão de obra nordestina.
Brasília foi então construída próxima à cidade de Anápolis, em um trecho de terra entre braços de água. 

Projeto
Em 1957, o arquiteto Oscar Niemeyer, eleito por JK o responsável pelos projetos dos edifícios da cidade, abriu um edital para eleger o autor do plano urbanístico de Brasília. O arquiteto Lúcio Costa saiu vencedor e implantou conceitos modernistas na construção da cidade. Dessa forma, em seu chamado “Projeto Piloto”, Costa privilegiou o automóvel como meio de transporte: foram eliminados os cruzamentos através de retornos em desnível. Outra característica foi organizar blocos de edifícios afastados construídos em pilotis sobre grandes áreas verdes, e a opção por superquadras nas áreas residenciais, com 250 metros de comprimento, por exemplo. O cuidado era separar o tráfego de veículos do trânsito de pedestres.

Com tanta modernidade, as ideias de Lúcio remetem a projetos e conceitos internacionais, como os do arquiteto francês Le Corbusier e do alemão Hilberseimer. A cidade foi projetada sob forte influência de ideais socialistas: as moradias pertencentes ao governo também seriam utilizadas e ou habitadas pelos funcionários públicos.

Em formato de avião, Lúcio Costa desenhou Brasília, partindo do traçado de dois eixos cruzando-se em ângulo reto como o sinal da cruz. Nas palavras do próprio: “nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz” Um destes eixos leva às áreas residenciais, e é levemente arqueado, o que caracteriza o formato de avião à cidade. O outro eixo, denominado Monumental, possui 16 km de extensão e abriga os prédios públicos e os palácios do Governo Federal, no lado leste. No centro, a extensão é sede da rodoviária e da torre de TV. Já no lado oeste, ficam os prédios do Governo do Distrito Federal.

Sendo assim, Brasília é constituída por: Asa Norte, Asa Sul, Setor Militar Urbano, Setor de Garagens Oficiais, Setor de Indústrias Gráficas, Área de Camping, Eixo Monumental, Esplanada dos Ministérios, Setor de Embaixadas Norte e Sul, Vila Planalto, Setor de Áreas Isoladas Norte – SAIN, e sedia os três poderes da República: Executivo, Legislativo, e Judiciário. 

Mãos à obra
Iniciada em outubro de 1956, Brasília foi construída em menos de um mandato: 3 anos e 5 meses. A obra foi coordenada pela Novacap (Companhia Urbanizadora Nova Capital), criada pelo governo especialmente para a ocasião. A empresa era dirigida pelo futuro primeiro prefeito da cidade, Israel Pinheiro da Silva, considerado um dos engenheiro brasileiro de renome da indústria siderúrgica no país.
Vale ressaltar que o início da construção de Brasília ocorreu antes da eleição do autor do projeto da cidade, que só se deu em 1957. Quando o projeto começou a ser desenvolvido, o Catetinho, residência provisória do presidente, estava pronto e outras obras, como o primeiro aeroporto e o Palácio da Alvorada, já estavam sendo construídos .

No primeiro mês de construção, havia apenas 232 operários trabalhando por Brasília. Já no início de 1957, o número subiu para 3.000, aproximadamente. A esses trabalhadores foi dado o apelido de candangos, que, dois anos depois, já eram contabilizados em 30 mil.

Com o número de trabalhadores crescendo, a população da cidade também acompanhou o ritmo. Tanto é fato, que em 1957 nasceu o atual Núcleo Bandeirantes, na época chamado de Cidade Livre, que abrigava 12 700 pessoas. No ano seguinte, foi a vez de Taguatinga surgir, a primeira cidade-satélite da capital. Um ano antes de sua inauguração, Brasília já tinha mais de 60 mil habitantes.

Por fim, a capital foi inaugurada em 21 de abril de 1960. Na data, segundo a Novacarp, Brasília tinha 360 mil m2 construídos, com mais de 100 mil m2 em fase de finalização e 37 mil m2 em construção, totalizando mais de 500 mil m2 de área construída ou semiconstruídas.

Brasília hoje: canteiro de obras
De 1960 pra cá, Brasília cresceu, e muito: hoje a cidade enfrenta um déficit imobiliário de 100 mil moradias. Para dar conta de tantos habitantes, a cidade está em expansão, construindo mais dois novos setores, o Noroeste e o Águas Claras.

Criado para ser o primeiro bairro sustentável do Brasil, o futuro Setor Habitacional Noroeste localiza-se na última porção de cerrado junto ao Plano Piloto. A ocupação do setor foi prevista por Lúcio Costa em 1987, no documento Brasília Revisitada. Começou a ser implantado em setembro de 2009, com base nos ideais de sustentabilidade do arquiteto Paulo Zimbres: edificações acessíveis e abastecidas por energia solar, áreas com ciclovias, tratamento de água da chuva e rede de coleta de lixo a vácuo.

Estima-se que o custo do Setor Habitacional Noroeste seja de R$ 300 milhões, segundo a Terracap, Companhia Imobiliária de Brasília. Não é a toa que os residenciais da região tem apartamentos de alto padrão pelo valor de até R$ 1,8 milhão. A Terracap calcula arrecadar um bilhão de reais com o novo setor, dinheiro que irá financiar a urbanização de áreas populares, tais como Itapoã e Vila Estrutural. Apesar do ideal de sustentabilidade, o projeto recebe crítica: a área do Noroeste é de preservação ambiental do Planalto Central. São 20 quadras de terreno, aproximadamente 4 milhões de m2, planejado para abrigar 40 mil habitantes.

Em construção também se encontra a área de Águas Claras. Nascida como bairro chamado Taguatinga, foi promovida a cidade em 2003. Atualmente oferece moradia a 300 mil pessoas, e tem mais de cem em prédios sendo construídos. 

Deslocada e cara
Brasília tem um custo de vida exorbitante. Um dos fatores é que, sendo distante dos principais fabricantes e fornecedores de material de construção do país, a cidade acrescenta às suas obras o custo do frete e a demora de chegada dos materiais. Mas não é de agora que a capital federal é cara. Os gastos públicos com a construção de Brasília foram estimados, no ano de 1969, em 1,5 bilhão de dólares. A estimativa é do na época ministro da Fazendo Eugênio Gudin. Atualmente o valor contabilizado corresponde a US$ 83 bilhões. 

E não é só pelo custo que a capital federal recebe críticas, é também pela sua localização. Para o engenheiro Paulo Andrade, Brasília está deslocada dos grandes centros comerciais do país. Além disso, o transporte para lá é pouco viável: “não tem ferrovia, as estradas são ruins… precisa-se de avião para quase tudo!”. Ele calcula que talvez precise de pelo menos mais 50 anos para que a “civilização” avance até Brasília.

“Eu acho que Brasília foi um grande erro. Sob o ponto de vista arquitetônico é uma beleza, mas sobre o ponto de vista da lógica estatal é uma aberração. Foi uma propaganda para o senhor Juscelino”, critica. E é sobre essas críticas que o especialista propõe uma reflexão aos leitores do Portal Metálica: “o crime compensa? Algo ainda poderá ser feito para que todos esse gastos e sacrifícios sejam compensados,e Brasília não continue a ser uma ilha cercada de Brasil por todos os lados?”.

Autor: Portal Met@lica – www.metalica.com.br