Veja entrevistas com três especialistas em monotrilho

No mês de outubro, o Instituto de Engenharia realizou o seminário Transporte de Média Capacidade para São Paulo: Propostas e Soluções. Durante um dia, profissionais de diversas empresas e instituições discutiram e colocaram os prós e contras da adesão de monotrilhos ou dos Veículos Leves Sobre Trilhos – VLT – para melhorar a questão do transporte público na cidade de São Paulo. A seguir, veja as opiniões coletadas com alguns dos participantes do seminário. 


Halan Lemos Moreira – vice-presidente Comercial e Marketing da Brascomi empresa do grupo Scomi 

A empresa atua na área de transporte de óleo e gás e é um dos principais fornecedores de fluidos de perfuração de petróleo na Ásia. Especializou-se na área de transporte de tecnologia monotrilho. O segmento de monotrilho está concentrado em algumas regiões do mundo, como Ásia – Mumbai – onde está em construção o traçado, mas os trens já produzidos percorreram 20 mil km e receberam certificados internacionais- , Meio Oriente e América do Sul, com destaque para o Brasil, não só em São Paulo, mas em todo o País. 

Fale um pouco sobre a entrada da Brascomi na concorrência. 

O que chamou a atenção da empresa foram as semelhanças das necessidades de Mumbai e de São Paulo, a começar pela população que em Mumbai é de 20 milhões de habitantes. As características são parecidas, apesar de as estruturas serem diferentes e São Paulo ter mais infraestrutura implantada, o sistema de trânsito deles sofre de uma forma muito parecida com o de São Paulo.
As entidades públicas da Índia passaram cinco anos estudando possíveis soluções. Por que esse tempo? Devido ao fato de o País ter 1 bilhão de habitantes e o crescimento populacional ainda ser problemático. Já no Brasil, com os estudos, o governo de São Paulo chegou a conclusão que combinar todos os sistemas existentes, sem que um eliminasse o outro, seria a melhor solução. Assim, chegaram ao monotrilho. 

Explique. 

O sistema de mobilidade do monotrilho não tem que estar necessariamente em linha reta, pode fazer curvas em um raio de 50m. São poucos os sistemas de média capacidade que podem fazer isso, o Metrô, por exemplo, não consegue.
A vantagem do monotrilho é que podemos alimentar os demais sistemas e ir, por exemplo, onde o Metrô não consegue. Em muitos lugares, como na própria Índia, eles continuam com um centro pelo qual o monotrilho corta a linha pegando a demanda de passageiros.

Como está a negociação? 

Estamos vivendo um edital para o qual os fabricantes do sistema vão apresentar suas soluções Existem três fabricantes de transporte de massa e por mais que suas tecnologias sejam parecidas, elas são diferentes. A alimentação é diferente, assim como a estrutura dos cabos. 

Qual o diferencial da sua empresa? 

O nosso diferencial é quando entramos no sistema de monotrilho vimos onde poderíamos melhorar, por exemplo, na leveza – quanto mais leve melhor, pois teremos uma estrutura elevada. Temos de ter um material resistente que carregue o mesmo número de passageiros e que fosse mais leve que o aço. 

Quando o sistema é leve, não há necessidade de uma estrutura tão robusta de construção civil. Há menos desgaste de pneu da suspensão pneumática, inclusive nas laterais, não tem contato com a viga, o que também proporciona maior conforto para os passageiros. Todos equipamentos operacionais sofrem menos desgastes. 

Já o motor, pelo motivo de ser refrigerado à água, tem capacidade maior de transporte, pois pesa menos. Há outras surpresas que não posso passar integralmente, pois são diferenças comerciais, mas posso afirmar que investimos muitos recursos para encontrar um material mais leve. 

Há intenção de trazer a produção para o Brasil? 

Nosso objetivo é fabricar no Brasil. Entretanto, a primeira coisa que se deve fazer é avaliar a demanda, Existe sim uma demanda para uma produção nacional do monotrilho, nós já estamos no processo de nacionalizar, a empresa traria alguns componentes para produção aqui, mas o objetivo da empresa é fabricar 100% do trem no Brasil para atender a América Latina e a América em geral. 

No Brasil, estamos tratando em Manaus, Belo Horizonte, Florianópolis – que lançou o edital para viabilidade e projeto básico para o sistema de monotrilho-, nas cidades da Copa, temos um potencial e estamos avançando em diversas conversas. Foi solicitada nossa presença em Natal, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Curitiba. 

Em São Paulo, se vê um número grande de linhas e de oportunidades. Temos uma linha de 23km, 17km e outra de 22km, com média de 16km a 25 km.
Em Manaus, está bem avançado. Já saiu a audiência pública e existe a intenção de colocar 15km de linha para atender não só a necessidade imediata da Copa 2014, mas a necessidade de transporte diário da população. 

Vicente Abate – presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária – Abifer 

Quais as diferenças entre o monotrilho e o VLT ? 

Eles são diferentes na concepção e na utilização. O VLT anda sobre trilhos e é de estrutura leve e tem maior capacidade que o monotrilho por média de capacidade. Ele é mais apropriado para o que se quer fazer na cidade de São Paulo e em outras cidades do País. O custo de instalação é quase que equivalente ao monotrilho. Além disso, há a integração urbana do VLT que podemos citar dois tipos: segregado, de superfície, e o que conviva com os carros e ônibus dentro da cidade. 

Para escolher, tem de saber qual a capacidade que quer transportar, o custo que quer ter de obra, que varia se é ou não segregado. A implantação custará menos e terá menor capacidade, porém sempre terá capacidade maior, embora média, que o monotrilho. 

O monotrilho corre sobre pneus, não é um veículo ferroviário. Há a questão do desgaste dos pneus, o risco de furar. Sem contar na questão da segurança. Por ser um sistema suspenso, em situação de emergência, em que tenha que evacuar as pessoas, ainda não se encontrou uma solução para isso. Deve-se entrar em discussão. 

Qual a escala de capacidade? 

Para ter uma ideia, o Metrô tem capacidade alta, maior de 60 mil passageiros hora/sentido. O VLT tem capacidade de 40 mil passageiros hora/sentido sem ser segregado. Se for segregado, tem de 20 a 30 passageiros hora/sentido. O monotrilho não chega à capacidade do VLT, é menor, sem contar os deméritos da parte de segurança. 

Como está a questão da propriedade da tecnologia? 

A Abifer defende a indústria local instalada brasileira ou multinacional, porém instalada localmente, e nos parece que a solução do monotrilho seria trazer um veículo pronto de fora – temos opções canadense e japonesa – e isso não interessa para o País. O VLT ainda não foi fabricado aqui, entretanto temos a tecnologia de empresas da Abifer e com escala maior de disseminação além da cidade de São Paulo. Já temos VLT projetado para Santos–São Vicente, Brasília. A medida que começamos a aumentar a massa do VLT teremos condições de fabricar no País. Além disso, o VLT é um veículo essencialmente ferroviário e o monotrilho não é. 

Não haveria interesse de instalar uma fábrica aqui? 

Não queremos nos pronunciar quanto a isso. O trem de alta velocidade não tem tecnologia no Brasil, mas virá de fora depois de uma licitação que acontecerá no final do ano. Existem fábricas já instaladas que podem fazer isso, que fazem normalmente o sistema de trens convencionais, e mesmo fábricas que não o fazem, mas que tem capacidade instalada. É uma sugestão da Abifer que se traga essa tecnologia, além de transferir para o Brasil, que é ponto obrigatório no edital, que o fabricante externo traga a maior parte dos itens do TAV. Sugerimos o mesmo para o caso do monotrilho, entretanto nós não sentimos essa predisposição para o monotrilho, caberia às empresas envolvidas se manifestarem. 

Juarez Barcellos Filho – Siemens Ltda Brazil 

Como os fabricantes mundiais estão vendo a iniciativa do governo de construir quatro ou mais linhas de monotrilhos em São Paulo? 

Alguns fabricantes estão contentes com a solução, mas a maioria não está vendo com bons olhos essa solução. Na verdade, essa alternativa do monotrilho não é a melhor para São Paulo. 
Nós, da Siemens, não estamos convencidos tecnicamente que essa seja a solução mais adequada, na verdade estamos convencidos do contrário. Temos que enxergar São Paulo sempre à frente, especialmente em projetos como o Expresso Tiradentes. A Cidade Tiradentes é uma região de alta densidade demográfica, com enorme potencial de crescimento. 

A comunidade metroferroviaria, de uma maneira geral, tem questionado muito a adoção dessa solução – falo adoção pois já foi realizada audiência pública, e a solução já foi mostrada como sendo o monotrilho, pelo menos para esse projeto do Expresso Tiradentes e da ligação São Judas–Congonhas. 

Hoje não existe no mundo monotrilho operando com capacidade superior a 10 mil passageiros por hora/sentido. Entendemos que essa solução seja equivocada, por exemplo, com relação ao potencial da capacidade que esse transporte pode oferecer para a população. Acreditamos que existam outras alternativas muito mais adequadas e superiores ao monotrilho. 

Os fabricantes de monotrilho estão falando em 20 mil passageiros hora/sentido. O governo do estado de São Paulo, o Metrô, tem falado que esse projeto tem sido direcionado para mais 40 mil passageiros hora/sentido . Não existe referencial no mundo onde um sistema de transporte como esse consiga transportar mais de 10 mil passageiros por hora/sentido. 

Não é nada com relação à tecnologia em si, ao monotrilho em si, mas o que se questiona é a adequação dessa solução para cidade de São Paulo, para cidade de hoje e de amanhã, e a capacidade desse sistema que tende a nascer com sua capacidade esgotada e superada. 

A Siemens vê com muita preocupação essa decisão. Inclusive na audiência pública provocamos por meio de algumas perguntas, mas as respostas que tivemos não foi convincente sob o ponto de vista técnico que é o que está sendo discutido. Então nos convencemos que deve ter outras razões, não só o aspecto estético. 

Pensar em implantar o transporte de massa levando em consideração o aspecto estético…, acho que isso deve ser considerado, mas não pode prevalecer na tomada de decisão de uma coisa importante como essa e com investimento elevado para que não traga uma solução efetiva no transporte. 

Qual a solução que a Siemens sugere? 

Duas alternativas: o VLT, de última geração, com soluções testadas, comprovadas e implementadas no mundo todo com sucesso. O VLT é uma solução que pode ser implantada em nível e também em via elevada. Assim, não teria problema em implantar em linha elevada, pois hoje as estruturas são simples, leves e o impacto visual na cidade não vai diferir em nada na solução do monotrilho, por exemplo. Sem contar que tem capacidade quatro ou cinco vezes superior ao monotrilho (45 passageiros hora/destino), e a implantação é similar. 

A outra é o Cityval, que é um veículo automático leve mas sobre pneus. Diferentemente do VLT , ele precisa trafegar em via segregada em função do sistema de alimentação de energia dele, o VLT tem o sistema de alimentação por meio de rede aérea. No nosso caso temos um sistema que opera sem rede aérea também, isso permite que compartilhe as vias urbanas com esse veículo. Já o Cityval necessita de uma segregação da faixa, então, em função do sistema de alimentação de energia, que é o terceiro trilho, que fica no nível do solo, é necessário separar essa faixa de operação, que não poderia ser compartilhada com outros veículos. 

Entretanto, sua solução é perfeitamente adequada ao Expresso Tiradentes e à ligação São Judas-Congonhas que será em linha elevada. O Cityval se encaixaria muito bem, além disso tem capacidade na ordem de 45 mil passageiros hora/destino – ordem porque depende da taxa de ocupação de seis passageiros por metro quadrado. 

Essas tecnologias viriam de fora? 

A tecnologia de todas elas não são produzidas no Brasil. Estamos acabando de construir a primeira fábrica da Siemens para material rodante, próximo à Jundiai, na região de Cabreúva, que deve ser inaugurada no próximo mês. A nossa ideia é fabricar lá fora a cadeia de tração, por exemplo, e trazer as partes do veículos para serem montados no Brasil e agregar todos os componentes que as empresas nacionais tem condições de oferecer. Isso, além de uma intenção, é uma necessidade de reduzir os preços e ser mais competitivo. 

O projeto seria feito por nós e tudo que pode ser adquirido na indústria nacional seria adquirido. Fabricaríamos a caixa de tração na Europa, provavelmente a caixa, a estrutura do veículo também, e todos demais componentes no mercado interno, montagem e mão-de-obra seriam nacionais.

Autor: Instituto de Engenharia